O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações –
eis o que afirma Marx ao discutir o seu método de apreensão da realidade concreta.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que no bojo de tal afirmação se encontra, desde
já, a síntese do materialismo histórico, isto é, a maneira pela qual o mesmo resolveu
o problema da relação entre teoria e empiria. Contudo, limitarmo-nos ao excerto
supracitado seria limitar a própria complexidade da vida social, e, portanto, cair
num reducionismo ingênuo. Assim, faz-se necessário nos reportarmos à sua
principal obra de caráter metodológico: A
ideologia alemã.
A ideologia alemã é, entes de tudo, um acerto de contas de Karl Marx e Friedrich Engels para
com a filosofia alemã precedente – mais especificamente para com o idealismo hegeliano
e o materialismo feuerbachiano. Desse modo, é aplicado em Hegel e Feuerbach os
princípios da própria dialética: negação, conservação e superação. Para tanto,
a fim de se esboçar melhor o que foi dito, discutir-se-á os dois filósofos em
questão em dois parágrafos distintos e subsequentes.
O idealismo hegeliano parte da premissa de que
a realidade, tal como se apresenta, é fruto da materialização da Ideia (leia-se
Espírito Absoluto). Sob esse ponto de vista, Hegel, contrariando a lógica da
identidade aristotélica, traz à tona a ideia de contradição como motor da história,
isto é, a dialética e os processos históricos, porém no plano da Ideia, ou
seja, contradições do próprio Espírito Absoluto. Desse modo, a realidade deve
ser apreendida analiticamente por meio de categorias universais, isto é,
atemporais e a-históricas, portanto, eternas.
O materialismo contemplativo de
Feuerbach (concebido em Onze teses sobre
Feuerbach como o velho materialismo) é, em linhas gerais, o oposto da
filosofia hegeliana. Por essa via, a realidade deve ser apreendida a partir
dela mesma, isto é, do sensível, do material, do “concreto”, daquilo que pode
ser contemplado empiricamente. Assim, tal concepção, que se volta contra a
ideia de concepção, nega as mediações conceituais como elemento metodológico de
apreensão da realidade, uma vez que vê nessas mesmas mediações abstratas uma
forma de mistificar a matéria, a realidade sensível, a realidade aparente.
Diante do que foi apresentado, pode-se
dizer, tomando-se emprestado o tipo ideal
weberiano, que Hegel representa a dimensão essencialmente teórica da
concepção metodológica de Marx; por outro lado, Feuerbach, em conjunto com as
produções teóricas da economia política inglesa (que tanto contribuiu e
influenciou a teoria social marxiana), representam a cristalização da empiria.
Entretanto, tudo isso ainda não é o bastante, afinal apenas foram apresentadas as
concepções filosóficas de tais autores, o que em si mesmo não basta. Portanto,
tal como na dialética, faz-se necessário não apenas afirmar, mas, sobretudo, negar
e sintetizar – eis, pois, o que empreenderemos fazer a partir de agora.
No que diz respeito a Hegel, Marx conserva
em seu método a dialética e os processos históricos, ou seja, as
contradições da história (afirmação, negação e negação da negação), mas nega,
absolutamente, os universais abstratos,
superando-os, por sua vez, mediante abstrações
razoáveis (ou concretas, isto é, dadas pela própria base material a ser
analisada). No que tange a Feuerbach, é-lhe conservado a ideia de realidade sensível (ou realidade
empírica), para que, partindo-se da observação e análise desta, alcance-se,
mediante as abstrações razoáveis e as
contradições históricas, uma outra
“camada” da realidade que não se apresenta superficialmente, para que assim se
possa conceber a estrutura da sociedade investigada. Entretanto, ainda no que
concerne a Feuerbach, a crítica severa de Marx consiste na negação deste às
categorias conceituais como modo de apreender o sensível, afinal o concreto,
tal como concebe o materialismo histórico, é síntese de múltiplas
determinações, as quais, por sua vez, não se dão apenas no plano do sensível,
do observável, do contemplativo, do empírico, do material.
Não podemos deixar de frisar a
discussão de Marx com o que hoje chamamos de economia política clássica, mais
precisamente com Adam Smith e David Ricardo. Para os economistas dessa
vertente, assim como para Feuerbach, a aparência em si é o bastante para se
empreender uma análise científica da vida social, e, por assim prosseguirem,
não veem as contradições postas na própria base material. Desse modo, a
economia política, por não pensar a economia vinculada às dinâmicas do Estado
(situado em um determinado contexto histórico), acaba por não apreender verdadeiramente
os fenômenos internos da sociedade, tendendo a naturalizá-los. Assim, o
materialismo histórico evidencia que as ideias não nascem do vácuo e não são
autônomas em si, haja vista que as mesmas não se encontram descoladas do mundo
material. Logo, Marx nos mostra que os meios de produção intelectual pertencem,
sobretudo, à classe que dispõe dos meios de produção material, uma vez que os
pensamentos dominantes não podem ser outra coisa senão a expressão ideal das
relações materiais dominantes: eis a síntese marxiana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Assim que eu ler o seu comentário, responderei-o imediatamente. Grato pelo carinho.