sexta-feira, 15 de agosto de 2014

TEORIA VERSUS EMPIRIA: KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO


O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações eis o que afirma Marx ao discutir o seu método de apreensão da realidade concreta. Em linhas gerais, pode-se afirmar que no bojo de tal afirmação se encontra, desde já, a síntese do materialismo histórico, isto é, a maneira pela qual o mesmo resolveu o problema da relação entre teoria e empiria. Contudo, limitarmo-nos ao excerto supracitado seria limitar a própria complexidade da vida social, e, portanto, cair num reducionismo ingênuo. Assim, faz-se necessário nos reportarmos à sua principal obra de caráter metodológico: A ideologia alemã.
A ideologia alemã é, entes de tudo, um acerto de contas de Karl Marx e Friedrich Engels para com a filosofia alemã precedente – mais especificamente para com o idealismo hegeliano e o materialismo feuerbachiano. Desse modo, é aplicado em Hegel e Feuerbach os princípios da própria dialética: negação, conservação e superação. Para tanto, a fim de se esboçar melhor o que foi dito, discutir-se-á os dois filósofos em questão em dois parágrafos distintos e subsequentes.
 O idealismo hegeliano parte da premissa de que a realidade, tal como se apresenta, é fruto da materialização da Ideia (leia-se Espírito Absoluto). Sob esse ponto de vista, Hegel, contrariando a lógica da identidade aristotélica, traz à tona a ideia de contradição como motor da história, isto é, a dialética e os processos históricos, porém no plano da Ideia, ou seja, contradições do próprio Espírito Absoluto. Desse modo, a realidade deve ser apreendida analiticamente por meio de categorias universais, isto é, atemporais e a-históricas, portanto, eternas.
O materialismo contemplativo de Feuerbach (concebido em Onze teses sobre Feuerbach como o velho materialismo) é, em linhas gerais, o oposto da filosofia hegeliana. Por essa via, a realidade deve ser apreendida a partir dela mesma, isto é, do sensível, do material, do “concreto”, daquilo que pode ser contemplado empiricamente. Assim, tal concepção, que se volta contra a ideia de concepção, nega as mediações conceituais como elemento metodológico de apreensão da realidade, uma vez que vê nessas mesmas mediações abstratas uma forma de mistificar a matéria, a realidade sensível, a realidade aparente.
Diante do que foi apresentado, pode-se dizer, tomando-se emprestado o tipo ideal weberiano, que Hegel representa a dimensão essencialmente teórica da concepção metodológica de Marx; por outro lado, Feuerbach, em conjunto com as produções teóricas da economia política inglesa (que tanto contribuiu e influenciou a teoria social marxiana), representam a cristalização da empiria. Entretanto, tudo isso ainda não é o bastante, afinal apenas foram apresentadas as concepções filosóficas de tais autores, o que em si mesmo não basta. Portanto, tal como na dialética, faz-se necessário não apenas afirmar, mas, sobretudo, negar e sintetizar – eis, pois, o que empreenderemos fazer a partir de agora.
No que diz respeito a Hegel, Marx conserva em seu método a dialética e os processos históricos, ou seja, as contradições da história (afirmação, negação e negação da negação), mas nega, absolutamente, os universais abstratos, superando-os, por sua vez, mediante abstrações razoáveis (ou concretas, isto é, dadas pela própria base material a ser analisada). No que tange a Feuerbach, é-lhe conservado a ideia de realidade sensível (ou realidade empírica), para que, partindo-se da observação e análise desta, alcance-se, mediante as abstrações razoáveis e as contradições históricas, uma outra “camada” da realidade que não se apresenta superficialmente, para que assim se possa conceber a estrutura da sociedade investigada. Entretanto, ainda no que concerne a Feuerbach, a crítica severa de Marx consiste na negação deste às categorias conceituais como modo de apreender o sensível, afinal o concreto, tal como concebe o materialismo histórico, é síntese de múltiplas determinações, as quais, por sua vez, não se dão apenas no plano do sensível, do observável, do contemplativo, do empírico, do material.
Não podemos deixar de frisar a discussão de Marx com o que hoje chamamos de economia política clássica, mais precisamente com Adam Smith e David Ricardo. Para os economistas dessa vertente, assim como para Feuerbach, a aparência em si é o bastante para se empreender uma análise científica da vida social, e, por assim prosseguirem, não veem as contradições postas na própria base material. Desse modo, a economia política, por não pensar a economia vinculada às dinâmicas do Estado (situado em um determinado contexto histórico), acaba por não apreender verdadeiramente os fenômenos internos da sociedade, tendendo a naturalizá-los. Assim, o materialismo histórico evidencia que as ideias não nascem do vácuo e não são autônomas em si, haja vista que as mesmas não se encontram descoladas do mundo material. Logo, Marx nos mostra que os meios de produção intelectual pertencem, sobretudo, à classe que dispõe dos meios de produção material, uma vez que os pensamentos dominantes não podem ser outra coisa senão a expressão ideal das relações materiais dominantes: eis a síntese marxiana.


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