Para Robson Pinheiro.
Deixei minha dignidade, se é que isso existe, espalhada pelos
cômodos de um apartamento, lá no alto, no décimo nono andar de um edifício, em
Santana. Todavia sei que isso pode ser contado pelo menos de quatro maneiras
distintas.
A primeira delas é sob a ótica classista, a partir da qual o
periférico encontra o pequeno burguês e travam entre si uma luta erótica. Do
embate, como síntese, tem-se um misto de dor, prazer e emancipação, e tudo isso
cabe na palma da mão.
Também é possível narrar esse acontecido lembrando, apenas,
que a vida às vezes estica bem a palma da sua mão, e abrindo bem os seus dedos,
dá com toda força na nossa cara, dizendo: “vai viver, Coração!” Eu fui. Ai
daqueles que não vão.
Seguindo os princípios da etnografia pós-moderna e indo além
da observação participante, essa história pode ser encarada como um texto que
pode ser lido como uma experiência antropológica em que objeto e sujeito,
sujeito e objeto, ambos se afetam e fazem de todos os cômodos um campo de
pesquisa.
Por fim, pode-se dizer que a quarta maneira de contar como se
perde a dignidade, para além do moralismo, é anunciando que no princípio era o
verbo, e o verbo era de carne, e a carne tinha suor, testosterona, sabor e
aroma.