sábado, 27 de dezembro de 2014

OITO HORAS


Para Robson Pinheiro.


Deixei minha dignidade, se é que isso existe, espalhada pelos cômodos de um apartamento, lá no alto, no décimo nono andar de um edifício, em Santana. Todavia sei que isso pode ser contado pelo menos de quatro maneiras distintas.
A primeira delas é sob a ótica classista, a partir da qual o periférico encontra o pequeno burguês e travam entre si uma luta erótica. Do embate, como síntese, tem-se um misto de dor, prazer e emancipação, e tudo isso cabe na palma da mão.
Também é possível narrar esse acontecido lembrando, apenas, que a vida às vezes estica bem a palma da sua mão, e abrindo bem os seus dedos, dá com toda força na nossa cara, dizendo: “vai viver, Coração!” Eu fui. Ai daqueles que não vão.
Seguindo os princípios da etnografia pós-moderna e indo além da observação participante, essa história pode ser encarada como um texto que pode ser lido como uma experiência antropológica em que objeto e sujeito, sujeito e objeto, ambos se afetam e fazem de todos os cômodos um campo de pesquisa.
Por fim, pode-se dizer que a quarta maneira de contar como se perde a dignidade, para além do moralismo, é anunciando que no princípio era o verbo, e o verbo era de carne, e a carne tinha suor, testosterona, sabor e aroma.