sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O OBJETIVISMO SOCIOLÓGICO EM DURKHEIM


É preciso tratar os fatos sociais como coisas – se é verdade que tal afirmação corresponde a primeira e a mais fundamental regra da sociologia durkheimiana, não é menos verdade que dentro dela já se encontra preconcebido o embrião de sua concepção objetivista de ciência.
Tratar os fatos sociais como coisas implica, sobretudo e antes de tudo, reconhecê-los como fenômenos exteriores às consciências individuais; logo, vê-se demarcada nitidamente a linha que separa o indivíduo da coletividade, a psicologia da sociologia, a subjetividade da objetividade. A princípio, contudo, pode-nos parecer que o que se está a fazer nada mais seja do que apenas uma demarcação teórico-metodológica entre essas duas áreas do conhecimento, no entanto, nesse contexto específico, o que se está reivindicando em suprassumo é a fundação da sociologia enquanto uma ciência amparada em bases sólidas, isto é, objetiva, específica e metódica, portanto, autônoma em relação a outras ciências e formas de conhecimento.
Tratar os fatos sociais como coisas reivindica, por sua vez, reconhecer a existência do fato social em si. Ora, o que isso significa senão o reconhecimento de um objeto específico pertencente a uma ciência específica? Como se sabe, para que uma ciência se constitua enquanto tal, exigi-se dela um objeto que lhe seja próprio, o que lhe assegura, por esse viés, a sua autonomia com relação às demais ciências. Logo, tratar os fatos sociais como coisas implica, necessariamente, reconhecer a sociologia como uma ciência própria, dotada de um objeto particular.
Assim, ao definir os fatos sociais como maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores aos indivíduos e dotados de poder de coerção, Durkheim não está simplesmente criando um conceito abstrato da teoria social, mas está, inclusive, demarcando as fronteiras da Sociologia para com as ciências naturais como um todo, e para com a psicologia em particular.
No entanto, para se compreender a discussão acerca do nascimento da sociologia enquanto disciplina científica nos moldes de Émile Durkheim, é preciso levar em consideração não apenas os seus princípios cientificistas cristalizados em As regras do método sociológico, bem como também o seu contexto de ruptura, fundação e conquista.
Desse modo, observar-se-á, por exemplo, as contribuições metodológicas tomadas de Francis Bacon, como é o caso do abandono das prenoções (quer literárias, quer metafísicas, quer estéticas, que ideológicas) e por parte do sociólogo, e a questão da dúvida metódica e a certeza do conhecimento, influências diretas de René Descartes. Em contrapartida, tem-se a crítica tanto ao Auguste Comte, quanto ao Herbert Spencer, uma vez que estes trabalhavam mais com ideias formuladas, influenciadas principalmente pela economia política e pela ciência da moral, do que propriamente com a ciência empírica.
Por outro lado, é válido destacar a aproximação do vocabulário da sociologia durkheimiana para com a biologia e a medicina – as quais, diga-se de passagem, já eram reconhecidas como ciências legítimas. Assim, à guisa de exemplos, pode-se citar a divisão da sociologia em fisiologia social e morfologia social,  a ideia de reino psicológico e reino social, bem como a concepção de fato social normal e patológico como vocábulos próprios das ciências naturais e da medicina. Tal empreendimento revela, até certo ponto, a busca de Durkheim pela legitimação científica da sociologia; por outro lado, ao procurar o critério de normalidade dentro da sociedade (fato social normal como algo diferente de fato social patológico), Durkheim está procurando, sobretudo, as regularidades da vida social, uma vez que o fato social normal deve condizer com as condições da vida coletiva; logo, a possibilidade de se formular leis e de prever fenômenos sociais.   
No que tange propriamente à questão do método sociológico, Durkheim é seguidor de uma corrente analítica, e, por vez, defensor da unidade metodológica dentro das ciências sociais. No que diz respeito à sua metodologia, o mesmo estabelece regras que podem ser apreendidas em seis verbos: definir, observar, distinguir, classificar, explicar e provar – eis, mais uma vez, a sua concepção objetivista de ciência.
Vale frisar, por fim, que o principal objetivo de Durkheim é estender o racionalismo científico à conduta humana. Por sua vez, a explicação sociológica consiste especificamente em estabelecer causalidade. Assim, para Durkheim, se se analisar a conduta humana, chegar-se-á a relações de causa e efeito. Logo, uma operação racional poderá transformar essa mesma conduta em regras de ação para o futuro, portanto, “racionalizá-la”. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Assim que eu ler o seu comentário, responderei-o imediatamente. Grato pelo carinho.