“Amanhã é dia de nascer de novo!”
(Caio Fernando Abreu)
Cada nascer do sol é um novo
assassinato. Às vezes morro mais de dez vezes por dia, mas sempre escapo. Veja
bem, não falo de suicídio. Pelo contrário, todas as evidências apontam para
homicídios qualificados.
Com o tempo, porém, adquiri certa
experiência, e, dependendo do meu estado de espírito, só morro uma ou duas
vezes ao dia; no máximo, três. No entanto, admito: houve dias em que fiquei
todo fuzilado. Mas me recuperei.
Ligo a televisão de manhã e vou ao
encontro de Bernardes, de repente, não infringindo nenhuma regra de etiqueta, suas
palavras me acertam em cheio. Logo em seguida, sou baleado por Tralli. Um pouco
mais tarde, os cientistas sociais Datena, Percival e Rezende metralham-me com
suas teses criminais. No intervalo de um programa a outro, é praxe levar cacetadas
de algum partido oportunista. O Tramontina, em seguida, enfia sua faca
enferrujada nas minhas vísceras. Um pouco mais tarde, é a vez do Bonner, com
muita elegância e imparcialidade positivista. Imediatamente, com toda a sua poesia-concreta,
levo um tiro da Poeta. Jabor, ao acertar em cheio o meu coração, dá-me o
xeque-mate e meu corpo se desfalece ao chão.
É. Morri. Mais uma vez.
De vagar, minha alma caminha até
minha escrivaninha. Pega o Manifesto comunista, folheia O capital, abraça Neruda, guerrilha com
Marighella, graceja Ramos, recita Brecht e Drummond, ama Amado, colhe rosas com
Luxemburgo, toca o âmago de Saramago. Às vezes é necessário algo mais doce e
paranóico, aí carece apelar para Clarice Lispector, Roberto Freire, Caio
Fernando e Fernando Pessoa; quando a dor não passa, chama Cecília Meireles,
Adélia Prado e Lúcia Miranda, que quase sempre vêm acompanhadas por Charles
Baudelaire e Mario Quintana.
Em poucos instantes, dou-me por mim
mais uma vez. Vivo!
É. Ressuscitei. Ressuscitaram-me.
Aquilo que vive em mim não morre tão
fácil assim.