quinta-feira, 26 de setembro de 2013

OS SÉCULOS XVIII E XIX E A IDEOLOGIA SECULAR



HOBSBAWM, Eric J. A ideologia secular. In: ______. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. cap. 13, p. 325-349.




Formado em História pela Universidade de Cambridge, membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, escritor de A era das revoluções, A era do capital, A era dos impérios e A era dos extremos (entre outros títulos) e professor de História na Universidade de Londres e na New School for Social Research de Nova Iorque, o historiador marxista Eric Hobsbawm é considerado como um dos maiores intelectuais do século XX.

Em A ideologia secular, décimo terceiro capítulo do livro A era das revoluções, Hobsbawm traça o plano de fundo político, filosófico, econômico, histórico e social que permeou e configurou a Europa dos séculos XVIII e XIX, mais precisamente as ideologias que emergiram e tiveram seu grande apogeu no intervalo dos anos de 1789 a 1848.

Logo no início do texto o autor esclarece que, embora a ideologia religiosa se destacasse por conta da quantidade, a qualidade confere à ideologia leiga ou secular a posição de destaque. Assim, a sociedade desse período se dividia, em um primeiro momento, em dois grupos distintos e antagônicos: os que aceitavam os rumos que o mundo estava-se conduzindo, neste caso os liberais burgueses e os revolucionários socialistas proletários, e os que não aceitavam essa direção, os quais se subdividiam em antiprogressistas revolucionários e os conservadores.    

No que concerne ao liberalismo clássico, este tem como o seu maior expoente a figura do escocês Adam Smith, o qual, a partir de sua principal obra, A riqueza das nações (1776), divulga a tese de que a livre concorrência entre os indivíduos, quando não interrompida e não controlada, leva os mesmos alcançarem a felicidade, a ordem social “natural” e, acima de tudo, produz o mais rápido aumento possível da riqueza das nações.

É válido destacar que, na política, a ideologia liberal não era nem tão coerente, muito menos tão consistente, pois a mesma se dividia entre o utilitarismo e as adaptações das doutrinas do direito natural e da lei natural. No entanto, todos defendiam uníssonos o direito à propriedade privada, direito este que, além de ser apresentado como “natural”, é consagrado como inalienável aos homens.

Assim sendo, os liberais concebiam a sociedade como um espaço constituído a partir de átomos individuais, os quais possuíam certas paixões e necessidades – nesse ponto, iguais a todos os outros –, e, para alcançá-las, competiam anarquicamente entre si, não reconhecendo, desse modo, limites ou direitos de interferência em suas pretensões, pois, só assim alcançariam a felicidade.

No entanto, não era isso o que se via à medida que o liberalismo ia sendo adotado, ainda mais quando David Ricardo, a partir de sua obra Princípios de economia política (1817), divulga as contradições do pensamento smithiano e faz cair por terra, por meio de sua teoria geral do valor como trabalho, a tese de que a riqueza das nações produzia-se por meio da competição anárquica dos indivíduos entre si, mas sim que era o próprio trabalhador quem a produzia.

Neste contexto, o autor argumenta que a ideologia liberal, em plena depressão econômica, salários decrescentes, pesado desemprego tecnológico e dentro de um período no qual o pauperismo se espalhava pela França e Inglaterra, perdia a sua força, ou grande parte dela; em outras palavras, os resultados sociais e econômicos mostraram a outra face do capitalismo, isto é, a exploração, por parte da burguesia, da classe proletária, o que favoreceu a emergência do socialismo.

Diferentemente do conservadorismo, o socialismo utópico, representado em grande medida pela figura do Conde Claude de Saint-Simon, não se voltava contra o industrialismo defendido desenfreadamente pelos capitalistas, mas pelo contrário, o saint-simonismo via no processo de industrialização o meio de fazer a sociedade avançar rumo ao socialismo, tendo em vista que o capitalismo criava seu próprio coveiro, o governo do proletariado.

O socialismo, assim como o liberalismo, acreditava na razão, na ciência e no progresso, porém, o seu modo de ver a sociedade era radicalmente oposto à concepção dos liberais, haja vista que não a pensava a partir do prisma individualista, cujo argumento central pautava-se na ideia do interesse próprio e a competição entre indivíduos como força motriz social, mas, antagonicamente, acreditava que o homem é, por natureza, um ser comunitário.

O socialismo científico, por seu turno, ganha força a partir dos trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels, mais precisamente por volta de 1848, quando é publicado o Manifesto Comunista, cuja tese central se resume à proclamação da derrubada violenta da burguesia e a tomada do poder pela classe trabalhadora, uma vez que a divulgação da inevitabilidade histórica demonstrava que o sistema político que correspondia aos interesses do proletariado era o socialismo ou comunismo. Assim, pautado no materialismo histórico, o socialismo se consagrou como o maior contraponto do liberalismo clássico, recebendo fortes contribuições da filosofia alemã, da política francesa e da economia inglesa.

O autor evidencia, ainda, que tanto o liberalismo, quanto o socialismo pretendiam alcançar o mesmo fim, isto é, um mundo onde reinasse a liberdade e do qual desaparecesse o governo coercitivo. O que os difere, no entanto, não é apenas a base teórica produzida e defendida por ambos, mas principalmente os meios pelos quais se pretendia alcançar tal máxima.

Em essência, este capítulo se divide em quatro partes, nas quais são traçadas as principais ideologias seculares afloradas a partir da dupla revolução: a primeira apresenta a ideologia liberal; a segunda, a ideologia socialista; a terceira, o conservadorismo e a posição política dos antiprogressistas revolucionários; e na quarta é apresentado um grupo de ideologias parcialmente equilibradas entre a progressiva e a antiprogressiva, ou seja, entre burgueses e proletários de um lado, e a aristocracia e as massas feudais do outro.

Sem dúvida a forma como o conteúdo do texto é organizado e apresentado, em grande medida por um viés dialético, cujo caráter descritivo é prevalecente e notório, confere-o um valor singular dentro da bibliografia historiográfica – o que, como se sabe, é próprio do estilo literário de Hobsbawm.

Convém frisar que em momento algum, no decorrer do capítulo aqui analisado, o autor em discussão insere elementos valorativos, no que diz respeito às ideologias por ele apresentadas, a ponto de torná-lo panfletário, o que talvez justifique a sua enorme receptibilidade dentro das academias.

A obra em questão é indicada tanto para o público de modo geral, quanto aos estudantes da área de humanidades, e constitui-se referência básica aos alunos de História e Ciências Sociais.