HOBSBAWM, Eric J. A ideologia secular. In: ______. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. cap. 13, p. 325-349.
Formado em
História pela Universidade de Cambridge, membro do Partido Comunista da
Grã-Bretanha, escritor de A era das
revoluções, A era do capital, A era dos impérios e A era dos extremos (entre outros
títulos) e professor de História na Universidade de Londres e na New School for Social Research de Nova Iorque,
o historiador marxista Eric Hobsbawm é considerado como um dos maiores
intelectuais do século XX.
Em A ideologia secular, décimo terceiro
capítulo do livro A era das revoluções,
Hobsbawm traça o plano de fundo político,
filosófico, econômico, histórico e social que permeou e configurou a Europa dos
séculos XVIII e XIX, mais precisamente as ideologias que emergiram e tiveram
seu grande apogeu no intervalo dos anos de 1789 a 1848.
Logo no
início do texto o autor esclarece que, embora a ideologia religiosa se
destacasse por conta da quantidade, a qualidade confere à ideologia leiga ou
secular a posição de destaque. Assim, a sociedade desse período se dividia, em
um primeiro momento, em dois grupos distintos e antagônicos: os que aceitavam os
rumos que o mundo estava-se conduzindo, neste caso os liberais burgueses e os revolucionários
socialistas proletários, e os que não aceitavam essa direção, os quais se
subdividiam em antiprogressistas revolucionários e os conservadores.
No que
concerne ao liberalismo clássico, este tem como o seu maior expoente a figura
do escocês Adam Smith, o qual, a partir de sua principal obra, A riqueza das nações (1776), divulga a
tese de que a livre concorrência entre os indivíduos, quando não interrompida e
não controlada, leva os mesmos alcançarem a felicidade, a ordem social
“natural” e, acima de tudo, produz o mais rápido aumento possível da riqueza
das nações.
É válido
destacar que, na política, a ideologia liberal não era nem tão coerente, muito
menos tão consistente, pois a mesma se dividia entre o utilitarismo e as
adaptações das doutrinas do direito natural e da lei natural. No entanto, todos
defendiam uníssonos o direito à propriedade privada, direito este que, além de
ser apresentado como “natural”, é consagrado como inalienável aos homens.
Assim sendo,
os liberais concebiam a sociedade como um espaço constituído a partir de átomos
individuais, os quais possuíam certas paixões e necessidades – nesse ponto,
iguais a todos os outros –, e, para alcançá-las, competiam anarquicamente entre
si, não reconhecendo, desse modo, limites ou direitos de interferência em suas
pretensões, pois, só assim alcançariam a felicidade.
No entanto, não
era isso o que se via à medida que o liberalismo ia sendo adotado, ainda mais
quando David Ricardo, a partir de sua obra Princípios
de economia política (1817), divulga as contradições do pensamento
smithiano e faz cair por terra, por meio de sua teoria geral do valor como
trabalho, a tese de que a riqueza das nações produzia-se por meio da competição
anárquica dos indivíduos entre si, mas sim que era o próprio trabalhador quem a
produzia.
Neste
contexto, o autor argumenta que a ideologia liberal, em plena depressão
econômica, salários decrescentes, pesado desemprego tecnológico e dentro de um
período no qual o pauperismo se espalhava pela França e Inglaterra, perdia a
sua força, ou grande parte dela; em outras palavras, os resultados sociais e
econômicos mostraram a outra face do capitalismo, isto é, a exploração, por
parte da burguesia, da classe proletária, o que favoreceu a emergência do
socialismo.
Diferentemente
do conservadorismo, o socialismo utópico, representado em grande medida pela
figura do Conde Claude de Saint-Simon, não se voltava contra o industrialismo defendido
desenfreadamente pelos capitalistas, mas pelo contrário, o saint-simonismo via
no processo de industrialização o meio de fazer a sociedade avançar rumo ao
socialismo, tendo em vista que o capitalismo criava seu próprio coveiro, o
governo do proletariado.
O
socialismo, assim como o liberalismo, acreditava na razão, na ciência e no progresso,
porém, o seu modo de ver a sociedade era radicalmente oposto à concepção dos
liberais, haja vista que não a pensava a partir do prisma individualista, cujo
argumento central pautava-se na ideia do interesse próprio e a competição entre
indivíduos como força motriz social, mas, antagonicamente, acreditava que o
homem é, por natureza, um ser comunitário.
O socialismo
científico, por seu turno, ganha força a partir dos trabalhos de Karl Marx e Friedrich
Engels, mais precisamente por volta de 1848, quando é publicado o Manifesto Comunista, cuja tese central
se resume à proclamação da derrubada violenta da burguesia e a tomada do poder pela
classe trabalhadora, uma vez que a divulgação da inevitabilidade histórica
demonstrava que o sistema político que correspondia aos interesses do
proletariado era o socialismo ou comunismo. Assim, pautado no materialismo
histórico, o socialismo se consagrou como o maior contraponto do liberalismo
clássico, recebendo fortes contribuições da filosofia alemã, da política
francesa e da economia inglesa.
O autor evidencia,
ainda, que tanto o liberalismo, quanto o socialismo pretendiam alcançar o mesmo
fim, isto é, um mundo onde reinasse a liberdade e do qual desaparecesse o
governo coercitivo. O que os difere, no entanto, não é apenas a base teórica
produzida e defendida por ambos, mas principalmente os meios pelos quais se
pretendia alcançar tal máxima.
Em essência, este capítulo se divide em quatro
partes, nas quais são traçadas as principais ideologias seculares afloradas a
partir da dupla revolução: a primeira apresenta a ideologia liberal; a segunda,
a ideologia socialista; a terceira, o conservadorismo e a posição política dos
antiprogressistas revolucionários; e na quarta é apresentado um grupo de
ideologias parcialmente equilibradas entre a progressiva e a antiprogressiva, ou
seja, entre burgueses e proletários de um lado, e a aristocracia e as massas
feudais do outro.
Sem dúvida a
forma como o conteúdo do texto é organizado e apresentado, em grande medida por
um viés dialético, cujo caráter descritivo é prevalecente e notório, confere-o
um valor singular dentro da bibliografia historiográfica – o que, como se sabe,
é próprio do estilo literário de Hobsbawm.
Convém
frisar que em momento algum, no decorrer do capítulo aqui analisado, o autor em
discussão insere elementos valorativos, no que diz respeito às ideologias por
ele apresentadas, a ponto de torná-lo panfletário, o que talvez justifique a
sua enorme receptibilidade dentro das academias.
A obra em
questão é indicada tanto para o público de modo geral, quanto aos estudantes da
área de humanidades, e constitui-se referência básica aos alunos de História e
Ciências Sociais.