domingo, 8 de dezembro de 2013

CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS ACERCA DO CONCURSO PÚBLICO Nº 08/2013-SAM 01


Ponho-me agora na tarefa de analisar, superficialmente, o concurso público (nº 08/2013-SAM 01) para professores de Educação Básica da Prefeitura de Guarulhos-SP. Antes de tudo, reitero o que disse acima, isto é, não farei uma análise esmiuçada das questões apresentadas nas duas provas; apenas discorrerei brevemente acerca da primeira prova, mas precisamente acerca do texto que embasou as questões 17, 18, 19 e 20, e destacarei alguns pontos que considero relevantes que apareceram na segunda prova, ou seja, que dizem respeito à discussão teórico-política.

No que diz respeito à prova de Língua Portuguesa e Raciocínio Lógico (Parte I), não tenho muito a dizer além da surpresa ao deparar-me com um artigo intitulado “Uma revolução no ensino. Outra?”, do economista tirado a pedagogo e articulista da Revista Veja Claudio Moura Castro. Um momento. É preciso que eu problematize melhor essa questão para que não me interpretem mal. Ressalto, antes de tudo, que não sou a favor da censura de textos da “direita”, de cunho liberal; não, não é isso. Porém, a piada é outra: lembram-se da polêmica acerca de uma simples questão do ENEM 2013 e que repercutiu em algumas mídias? Sim, estou falando da questão que trazia à tona um excerto do prefácio do livro “Para uma crítica da Economia Política”, de Karl Marx. Ora, a Revista Veja, na sua célebre simpatia pelo barbudinho comunista, publicou um pequeno texto[1], de autoria do também economista Rodrigo Constantino, no qual dizia que o ENEM – que, diga-se de passagem, é um exame altamente excludente para com os jovens da classe trabalhadora – estava fazendo proselitismo político pró-marxismo. Portanto, sobre este aspecto, digo o mesmo do concurso realizado pelo IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), porém inversamente: o texto do Dr. Claudio Moura Castro não está isento de ideologias da classe burguesa, capitalista, dominante ou opressora, como queiram chamá-la. Assim, encerro, aqui, meu comentário acerca da primeira parte do concurso. Poderia, claro, ressaltar as dificuldades dos problemas matemáticos, mas já era de se esperar conteúdos de caráter seletivos: afinal, as universidades privadas estão fabricando pedagogos quase que na mesma proporção que investem seus lucros na Bolsa de Valores.

A segunda parte, mais voltada para os conhecimentos específicos e legislativos, merece um tanto mais de atenção, pois, grande parte da mesma encontra-se permeada de ideais liberais – prova disso é a primeira questão, mais uma vez publicada pelo Pezinho de Feijão, isto é, a opulenta revista de ficção científica brasileira: é..., a Veja. Como eu estava dizendo, a primeira questão fazia proselitismo (como diria o Ricardinho Constantino) à privatização do pré-sal do campo de Libra.

Não contente com a mensagem da primeira questão, o IBAM fez uma segunda questão ainda mais abertamente liberal, a ponto de mencionar o liberalismo; a mesma dizia respeito ao novo partido político representado por empresários e executivos, a saber, o Novo – o nome do partido é Novo (que original!).

Não tenho muito a dizer das questões referentes à Legislação Educacional, apenas que uma parte delas estava pessimamente formulada, a ponto de quase não se compreender o cerne da pergunta (se é que se perguntava algo ali). Uma delas, a questão de número 8, dizia apenas: assinale a alternativa correta. Como assim? Não se perguntou nada antes disso, sabia-se, apenas, que dizia respeito ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), nada mais. Mas, enfim, quem se graduou no Circo Laranja (Anhanguera Educacional), não tem muito do que reclamar, haja vista que as provas de muitos professores de lá são verdadeiras esfinges enigmáticas.

Outro ponto que quero salientar é o que tange às teorias de Wallon, Piaget e Vygotsky, a saber que a questão de número 20 as reduziram, sequencialmente, aos fatores emocionais, biológicos e sociais, como se as ideias desses três pensadores se resumissem a isso, apenas isso. Com relação a Vygotsky, o qual tenho grande simpatia, a questão de número 27 me deixou um tanto confuso: de qual Vygotsky o IBAM estava a tratar? O marxista ou o neopiagetiano? O socialista ou o socialdemocrata?

Segundo a professora Zoia Prestes, em seu livro “Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Vigotski no Brasil”, para Vygotsky não é a aprendizagem em si que leva a criança a se desenvolver, e sim a relação entre instrução (isto é, ENSINO, também conhecido como TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO) e desenvolvimento, fazendo entrar em choque, assim, o ideal construtivista que associa tal autor a Piaget. Devo mencionar, só para fins de curiosidade, que Zoia domina a língua russa, e se dedica, academicamente, também à tradução das obras de Vygotsky.

Destaco, também, duas questões (45 e 46) sobre o pensamento de Emilia Ferreiro, a qual, como muitos sabem, eu discordo radicalmente. Minha crítica ao IBAM não se entrelaça, entretanto, com minhas divergências didático-metodológicas que tenho para com o construtivismo ferreiriano, e sim, apenas, com a ausência do nome da obra na formulação dessas questões. Só agora sei que foi retirada do livro “Com todas as letras”, se soubesse antes, por incrível que pareça, teria respondido bem mais rápido. No entanto, o que vale é ter acertado, as duas. Acertar uma questão de concurso é muito bom! Não errar a questão sobre Ferreiro é melhor ainda!

Por fim, pondero tudo o que venho dizendo até agora e faço, nesse momento, uma crítica construtiva: foram boas as provas, com erros que considero crassos mas, enfim, no geral, as provas foram boas.

Só para finalizar, pontuo, rapidamente, dois tópicos que não devo deixar de mencioná-los:

1 – Quem estuda o sistema educacional e conhece, de certo modo, a política neoliberal, fez, com certeza, uma prova razoável. Deixo aqui a dica: seja liberal e mande bem em concursos.

2 – Um pedido: alguém, por gentileza, pode dizer ao Edgar Morin que não se transforma o mundo com poemas e tulipas?





[1]Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/marx-abre-o-enem/ >. Acesso em: 08 de dezembro de 2013.

sábado, 7 de dezembro de 2013

UM LEMBRETE


Se sua mãe trabalhasse em uma cantina,
Limpasse a fábrica das bailarinas
E ainda fizesse faxina,
Talvez você compreenderia minha sina,
Ao perceber que o buraco é mais em cima,
E jamais chamaria o Marx de facínora.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ANOLIMASSILFI


Assim como o objeto é,
Para o idealismo hegeliano,
A materialização,
Pura e simplesmente,
Da Ideia, do Espírito Absoluto;
A tua carne, o teu suor e a tua fala são,
Para mim,
A força motriz do desejo que,
Na palma da minha mão,
Transforma-te em algo branco e pegajoso,
O qual, vulgarmente, chamamos de gozo.

  

domingo, 24 de novembro de 2013

MANGOLIN


Ao camarada Cesar Mangolin

Eu conheci um comunista.
Ele tem uma longa barba ruiva
E cabelos encaracolados.
Nunca trocamos muitas palavras,
Apenas, certa vez,
Falou-me de Gramsci e Althusser
E de como aprendera a fazer sabão
Quando estudava em um internato.
Seu discurso soa um tanto pessimista,
Mas a isso o desconto deve ser dado:
Ele estuda o Estado.
E apesar do pessimismo, ele sonha;
Mas veja bem:
Sonha de olhos arregalados!
A mim, ensinou-me muito,
Inclusive a sonhar acordado,
Coisa que eu já havia abandonado.
Não julgo ser necessário dizer mais nada,
Nem mesmo seu nome,
Muito menos procurar a rima
Para a última linha deste poema
Que acaba aqui.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

AUTORRETRATO DESTEMPERADO


Aos meus avós maternos, Vanda e Pedro,
Com imenso carinho e gratidão.

No autorretrato que me tempero
Costumo dizer,
Sem muito exagero,
Que na minha formação
Faltou sal,
Faltou açúcar,
Faltaram canela, alecrim, cominho e manjericão.
Esqueceram de temperar-me com pimenta-do-reino
E quase não me coraram com urucum,
A ponto de eu ter saído com essa cor,
Pálida,
Meio morta,
Meio viva também,
Porque ainda corre sangue.
Faltou o essencial,
Que é o açúcar e o sal,
A pimenta-do-reino triturada no moinho de Cainana,
A velha Vanda, minha avó,
E o Urucum, vermelho como minha bandeira,
Colhido por Pedro Carneiro, meu avô.
Não obstante,
Sobrou a crítica,
Transbordaram-me de realidade,
Cimentaram-me de fatos,
Que pouco sei interpretá-los.
Como consolo, restou-me as palavras,
Que por pouco não me foram tiradas
Em nome do estudo das leis,
Como queria o meu avô.
Sem sal e sem açúcar,
Nada de pimenta-do-reino, urucum, cominho, alecrim ou manjericão.
Sem leis também, graças ao fracasso do meu primeiro vestibular.
Mas irremediavelmente ligado às palavras,
E, ainda assim, é gozado observar como a vida é irônica,
De certo modo não trair, por completo,
O desejo do meu avô para comigo,
Que é o de defender os injustiçados,
Os escravos da modernidade,
Os marginalizados pelo capital.
Enfim, pratico,
Do meu jeito desajeitado,
A justiça das palavras,
Que é também sem sal,
Sem açúcar,
Sem cominho,
Sem Pimenta-do-reino, canela e urucum.
Eu e o meu desejo doido de mudar o mundo,
Procurando fazer justiça com as próprias palavras,
Buscando verbalizar a transformação social.
Mas nada, nada,
Nada disso justifica meu destempero,
Acho que no fundo, no fundo,
Eu sou bem parecido é com Pedro Carneiro.





quinta-feira, 26 de setembro de 2013

OS SÉCULOS XVIII E XIX E A IDEOLOGIA SECULAR



HOBSBAWM, Eric J. A ideologia secular. In: ______. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. cap. 13, p. 325-349.




Formado em História pela Universidade de Cambridge, membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, escritor de A era das revoluções, A era do capital, A era dos impérios e A era dos extremos (entre outros títulos) e professor de História na Universidade de Londres e na New School for Social Research de Nova Iorque, o historiador marxista Eric Hobsbawm é considerado como um dos maiores intelectuais do século XX.

Em A ideologia secular, décimo terceiro capítulo do livro A era das revoluções, Hobsbawm traça o plano de fundo político, filosófico, econômico, histórico e social que permeou e configurou a Europa dos séculos XVIII e XIX, mais precisamente as ideologias que emergiram e tiveram seu grande apogeu no intervalo dos anos de 1789 a 1848.

Logo no início do texto o autor esclarece que, embora a ideologia religiosa se destacasse por conta da quantidade, a qualidade confere à ideologia leiga ou secular a posição de destaque. Assim, a sociedade desse período se dividia, em um primeiro momento, em dois grupos distintos e antagônicos: os que aceitavam os rumos que o mundo estava-se conduzindo, neste caso os liberais burgueses e os revolucionários socialistas proletários, e os que não aceitavam essa direção, os quais se subdividiam em antiprogressistas revolucionários e os conservadores.    

No que concerne ao liberalismo clássico, este tem como o seu maior expoente a figura do escocês Adam Smith, o qual, a partir de sua principal obra, A riqueza das nações (1776), divulga a tese de que a livre concorrência entre os indivíduos, quando não interrompida e não controlada, leva os mesmos alcançarem a felicidade, a ordem social “natural” e, acima de tudo, produz o mais rápido aumento possível da riqueza das nações.

É válido destacar que, na política, a ideologia liberal não era nem tão coerente, muito menos tão consistente, pois a mesma se dividia entre o utilitarismo e as adaptações das doutrinas do direito natural e da lei natural. No entanto, todos defendiam uníssonos o direito à propriedade privada, direito este que, além de ser apresentado como “natural”, é consagrado como inalienável aos homens.

Assim sendo, os liberais concebiam a sociedade como um espaço constituído a partir de átomos individuais, os quais possuíam certas paixões e necessidades – nesse ponto, iguais a todos os outros –, e, para alcançá-las, competiam anarquicamente entre si, não reconhecendo, desse modo, limites ou direitos de interferência em suas pretensões, pois, só assim alcançariam a felicidade.

No entanto, não era isso o que se via à medida que o liberalismo ia sendo adotado, ainda mais quando David Ricardo, a partir de sua obra Princípios de economia política (1817), divulga as contradições do pensamento smithiano e faz cair por terra, por meio de sua teoria geral do valor como trabalho, a tese de que a riqueza das nações produzia-se por meio da competição anárquica dos indivíduos entre si, mas sim que era o próprio trabalhador quem a produzia.

Neste contexto, o autor argumenta que a ideologia liberal, em plena depressão econômica, salários decrescentes, pesado desemprego tecnológico e dentro de um período no qual o pauperismo se espalhava pela França e Inglaterra, perdia a sua força, ou grande parte dela; em outras palavras, os resultados sociais e econômicos mostraram a outra face do capitalismo, isto é, a exploração, por parte da burguesia, da classe proletária, o que favoreceu a emergência do socialismo.

Diferentemente do conservadorismo, o socialismo utópico, representado em grande medida pela figura do Conde Claude de Saint-Simon, não se voltava contra o industrialismo defendido desenfreadamente pelos capitalistas, mas pelo contrário, o saint-simonismo via no processo de industrialização o meio de fazer a sociedade avançar rumo ao socialismo, tendo em vista que o capitalismo criava seu próprio coveiro, o governo do proletariado.

O socialismo, assim como o liberalismo, acreditava na razão, na ciência e no progresso, porém, o seu modo de ver a sociedade era radicalmente oposto à concepção dos liberais, haja vista que não a pensava a partir do prisma individualista, cujo argumento central pautava-se na ideia do interesse próprio e a competição entre indivíduos como força motriz social, mas, antagonicamente, acreditava que o homem é, por natureza, um ser comunitário.

O socialismo científico, por seu turno, ganha força a partir dos trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels, mais precisamente por volta de 1848, quando é publicado o Manifesto Comunista, cuja tese central se resume à proclamação da derrubada violenta da burguesia e a tomada do poder pela classe trabalhadora, uma vez que a divulgação da inevitabilidade histórica demonstrava que o sistema político que correspondia aos interesses do proletariado era o socialismo ou comunismo. Assim, pautado no materialismo histórico, o socialismo se consagrou como o maior contraponto do liberalismo clássico, recebendo fortes contribuições da filosofia alemã, da política francesa e da economia inglesa.

O autor evidencia, ainda, que tanto o liberalismo, quanto o socialismo pretendiam alcançar o mesmo fim, isto é, um mundo onde reinasse a liberdade e do qual desaparecesse o governo coercitivo. O que os difere, no entanto, não é apenas a base teórica produzida e defendida por ambos, mas principalmente os meios pelos quais se pretendia alcançar tal máxima.

Em essência, este capítulo se divide em quatro partes, nas quais são traçadas as principais ideologias seculares afloradas a partir da dupla revolução: a primeira apresenta a ideologia liberal; a segunda, a ideologia socialista; a terceira, o conservadorismo e a posição política dos antiprogressistas revolucionários; e na quarta é apresentado um grupo de ideologias parcialmente equilibradas entre a progressiva e a antiprogressiva, ou seja, entre burgueses e proletários de um lado, e a aristocracia e as massas feudais do outro.

Sem dúvida a forma como o conteúdo do texto é organizado e apresentado, em grande medida por um viés dialético, cujo caráter descritivo é prevalecente e notório, confere-o um valor singular dentro da bibliografia historiográfica – o que, como se sabe, é próprio do estilo literário de Hobsbawm.

Convém frisar que em momento algum, no decorrer do capítulo aqui analisado, o autor em discussão insere elementos valorativos, no que diz respeito às ideologias por ele apresentadas, a ponto de torná-lo panfletário, o que talvez justifique a sua enorme receptibilidade dentro das academias.

A obra em questão é indicada tanto para o público de modo geral, quanto aos estudantes da área de humanidades, e constitui-se referência básica aos alunos de História e Ciências Sociais.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

REMOTO CONTROLE

“Amanhã é dia de nascer de novo!”
(Caio Fernando Abreu)

Cada nascer do sol é um novo assassinato. Às vezes morro mais de dez vezes por dia, mas sempre escapo. Veja bem, não falo de suicídio. Pelo contrário, todas as evidências apontam para homicídios qualificados.
Com o tempo, porém, adquiri certa experiência, e, dependendo do meu estado de espírito, só morro uma ou duas vezes ao dia; no máximo, três. No entanto, admito: houve dias em que fiquei todo fuzilado. Mas me recuperei.
Ligo a televisão de manhã e vou ao encontro de Bernardes, de repente, não infringindo nenhuma regra de etiqueta, suas palavras me acertam em cheio. Logo em seguida, sou baleado por Tralli. Um pouco mais tarde, os cientistas sociais Datena, Percival e Rezende metralham-me com suas teses criminais. No intervalo de um programa a outro, é praxe levar cacetadas de algum partido oportunista. O Tramontina, em seguida, enfia sua faca enferrujada nas minhas vísceras. Um pouco mais tarde, é a vez do Bonner, com muita elegância e imparcialidade positivista. Imediatamente, com toda a sua poesia-concreta, levo um tiro da Poeta. Jabor, ao acertar em cheio o meu coração, dá-me o xeque-mate e meu corpo se desfalece ao chão.
É. Morri. Mais uma vez.
De vagar, minha alma caminha até minha escrivaninha. Pega o Manifesto comunista, folheia O capital, abraça Neruda, guerrilha com Marighella, graceja Ramos, recita Brecht e Drummond, ama Amado, colhe rosas com Luxemburgo, toca o âmago de Saramago. Às vezes é necessário algo mais doce e paranóico, aí carece apelar para Clarice Lispector, Roberto Freire, Caio Fernando e Fernando Pessoa; quando a dor não passa, chama Cecília Meireles, Adélia Prado e Lúcia Miranda, que quase sempre vêm acompanhadas por Charles Baudelaire e Mario Quintana.
Em poucos instantes, dou-me por mim mais uma vez. Vivo!
É. Ressuscitei. Ressuscitaram-me.
Aquilo que vive em mim não morre tão fácil assim.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

BIANCA

Imagine poder contar toda a sua vida a alguém. Imagine, como retribuição, poder guardar todos os segredos dessa outra pessoa, também. Agora imagine compartilhar momentos incríveis, poder experimentar muitas coisas novas, juntos: a primeira cerveja, o primeiro conhaque, a primeira vodca, o primeiro cigarro, o primeiro porre, a primeira ressaca, o primeiro beijo, a primeira noite na barraca...
"Eram namorados?", perguntarão alguns, e eu os respondo: muito mais complexo que isso...
Não sei ao certo como desenrolar este rolo: é tão complicada nossa história! Cheia de vírgulas e de enrolas. E nesse momento me pergunto: onde foi que erramos? Por que paramos? Como escrever certo se mal conseguimos juntas nossas linhas tortas?
Solidão. É assim que me sinto agora. E, sem você, estar sozinho é uma desgraça.
Neste tempo em que estamos distantes, você não sabe, mas muitas vezes desisti. De mim. Da Causa. Dos outros. Houve dias em que não tomei banho, não me alimentei como convém às pessoas saudáveis e nem escovei meus dentes. Houve dias em que não fiz outra coisa do que assistir Harry Potter e ouvir Ricky Vallen interpretando Elis Regina. Mas jamais desisti de você. Porque sem você o melhor que há em mim se desmancharia feito promessas vazias, e, se não mais existisse o seu doce, tão doce, até o Caio, na minha boca, se amargaria.
Em dias difíceis, como este, gosto de pensar em suas borboletas... Voando, por aí... À procura de um lugar mais tranquilo, onde uma leoa possa dormir sossegada nos braços de um carneiro colorido.
Não sei o que realmente aconteceu, ou o que faltou acontecer. Solidão fálica? Carência afetiva? Recusa à "sozinhez" (continuo cultivando esta palavra)? Vingança por eu ter partido? Parti?
Enumero hipóteses, traço gráficos, aplico teorias metódicas, quantifico dados empíricos... Mas a concretude, em si, não tenho obtido.
"Um pênis é um pênis", disseram-me certo dia, e o mistério, por alguns instantes, pareceu ter se resolvido. No entanto, ao debruçar-me sobre essa questão com maior afinco, toquei o intangível: que um pênis é um pênis, não posso negar, mas até que se prove o contrário, um amigo é um amigo.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A BASE

À Cicera da Silva Pereira
E ao Antonio Carlos de Souza.



Quero escrever algo sólido.
Traçar, sem métrica,
A mais concreta poesia;
Com palavras e tijolos,
Com lutas e alvenarias
Será erguida, aos poucos,
A Pedagogia das pedagogias.

Peguem os livros, as foices e os martelos!
É preciso, com sabedoria,
Desnaturalizar o que é histórico
E destruir a tragédia e a farsa
Que nos transformaram em mercadorias.

Apanhemos nossas bandeiras!
Hasteemos a nossa causa!
Desmistifiquemos a “liberdade”:
Queremos igualdade!

O caminho já foi apontado;
Pelas barbas de Marx,
A conjuntura há de ser favorável;
E os escravos, paulatinamente,
Descobrem o valor do seu trabalho.

Por isso, canto.
Um tanto sem ritmo,
Um tanto descompassado,
Com certa pressa e alegria,
A canção que eleva o espírito,
Que enaltece a alma
E liberta o corpo da mais-valia.

Também danço, com euforia,
Ao som dos meios de produção
Que um dia cantarão nossa sinfonia.

Marcho, com a vanguarda,
Em defesa da unidade classista
E em conquista da terra sagrada.

Grito, com alguns rabiscos
E muitos pobres e muitos riscos,
Os primeiros passos rumo à alforria:
REVOLUÇÃO E UTOPIA!
E se não entenderam, vou repetir:
QUE CAIA LOGO A BURGUESIA!


terça-feira, 2 de julho de 2013

O MURO

Estou em cima do muro. À direita, encontram-se as migalhas que sobraram da última colheita; à minha esquerda, só uma certeza: a incerteza me certificará.
O incerto e o injusto me fizeram optar pelo irreversível, e, embora não tenha dado o primeiro passo, já não posso mais regressar, pois, nesta dança, o caminho escolheu os meus pés como seu par.
Aos poucos tudo o que era sólido se põe a derreter, inclusive a solidão, que era tão palpável outrora, e se liquidifica, agora, sobre a palma da minha mão.
Meu castelo de areia há muito se desmoronou, soterrando, em seus escombros, os contos do meu avô; nas masmorras do meu coração, nem vestígios de prisioneiros, só riscado, a carvão, o nome do pioneiro; os súditos que o habitava, perderam totalmente a graça; e até mesmo minha coroa tem ciência da minha desgraça.
Amigos? Conta-se nos dedos. Verdades? Restaram as inacreditáveis. Sonhos? Só os risonhos. Lema? Não se apegar a emblemas. Lar? Acho que ficou para lá. Amor? Nenhum sinal de dor. Bandeiras? Uma colorida e outra vermelha.
Eis que é chegada a hora de tomar partido: o caminho se encontra bipartido; o muro, que a pouco me suportava, derrete-se à medida que o tempo passa, e sua liquidificação não suporta indecisão.
Meu GPS político traçou a rota subsistente: à esquerda e em frente..., sempre!

domingo, 30 de junho de 2013

CRÍTICA AO ARTIGO "UMA VISÃO INTEGRADA"






Olá...
Meu nome é Edvaldo dos Reis, tenho 21 anos, moro na cidade de Guarulhos – SP, sou formado em Pedagogia e atualmente curso Ciências Sociais.
O motivo que me levou a escrever este e-mail encontra-se ligado diretamente a um artigo de sua autoria, intitulado “Uma visão integrada”, publicado no mês de junho na Folha Humanitária (junho 2013, ano III, nº 26).
Bem..., poderia discutir mais a respeito de todo o corpo do artigo, mas minha análise restringirá apenas à questão da educação, especificamente a questão do que na Pedagogia chamamos de “Os Quatro Pilares da Educação”.
Vou ser bem conciso: no artigo em pauta você afirma o seguinte:
“(...) É necessário formar indivíduos criativos, inovadores, polivalentes1, com capacidade de trabalhar em equipe, resolver problemas2, na qual se aprende a fazer3, aprende-se a ser4 e aprende-se a aprender5” (p. 10).
Polivalentes1: eu não sei se você sabe, penso que não, mas quando se fala em formar indivíduos polivalentes, no bojo deste discurso, aparentemente inovador e progressivista, encontra-se inserida a ideologia da classe dominante, neste caso, a burguesia, que deseja ver os filhos do proletariado (de)formados de modo que atenda às necessidades do mercado, isto é, invés de possuírem uma formação sólida e específica (ex. ser um médico, um advogado, um administrador, um cientista social, um filósofo, ou qualquer outra profissão/formação), essa ideologia pretende que a classe trabalhadora esteja “aberta a tudo”, ou seja, “domine tudo”, porque a “faxineira” pode fazer a função dela e a do pedreiro e quiçá também a da cozinheira. Espero que eu tenha sido claro: (de)formar indivíduos polivalentes é prepará-los para atender os ditames do mercado, e não para se apropriarem da riqueza acumulada historicamente, que é o conhecimento. Caso discorde, sugiro que seja você mesmo um polivalente, isto é, abandone o que sabe acerca das especificidades da Saúde Pública (já que você é um especialista nesta área) e desempenhe outras funções: limpe o piso do hospital, recepcione os enfermos e faça também curativos.
Resolver problemas2: no que diz respeito à habilidade dos indivíduos “resolverem problemas”, o seu texto não esclareceu quais possíveis problemas são estes, ou, dito de outra forma, pergunto: resolver os problemas de QUEM? Do dono da fábrica para quem eles provavelmente vão vender a sua força de trabalho? Resolver problemas sociais? Problemas de sua comunidade? Ora, a maneira como a questão foi colocada me parece que dispensa a função de outros profissionais, chegando inclusive ser dispensável o papel do Estado em resolver os problemas sociais, uma vez que está depositando no indivíduo a responsabilidade dele (e exclusivamente ele) “resolver problemas”.          
Aprende a fazer3, aprende-se a ser4 e aprende-se a aprender5: no que toca a esses três “pilares”, tenho duas posições: a primeira envolve o “aprender a fazer” e o “aprender a aprender”, pois, segundo Saviani (2003) o “aprender a fazer” encontra-se totalmente atrelado à educação tecnicista vinculada pela concepção escolanovista, a qual, como se sabe, foi um “desastre” na educação brasileira, cujo discurso, apesar de apresentar um ideal progressista, encontra-se pautado no intento de formar “apertadores de parafusos” (tecnicismo), desvinculando de sua formação a necessidade de disciplinas voltadas para a área de humanas (filosofia, sociologia, história); o “aprender a aprender”, por sua vez, segundo Arce (2001) e Duarte (2001), encontra-se respaldo no discurso pós-moderno e na proposta neoliberal, “matando” a função social do professor (que é o ensinar), apregoando o fim da transmissão do conhecimento e “McDonaldizando” a escola, tudo isso com o intento maior de transformar a educação em mercadoria (o que já é uma realidade); a minha segunda posição diz respeito ao “aprender a ser”, pois nunca me debrucei especificamente sobre este “pilar”, por não ter encontrado material que o analise de forma radical (no sentido marxista, isto é, indo na raiz do mesmo), no entanto, ouso perguntar: aprender a ser o quê? Aprender a ser quem? Com base em qual fundamentação teórica ou em qual “espelho”? Aprender a ser um pequeno burguês? Aprender a ser um proletário obediente e conformado em vender a sua força de trabalho? Aprender a ser um alienado que não tem consciência da riqueza que ele mesmo produz? Que aprender a ser é este? Bem..., como nunca me debrucei sobre essa questão antes, como disse anteriormente, deixo aqui essas questões para repensarmos este suposto “aprender a ser”.
Espero que não me interprete mal e que entenda as minhas análises; sim, é claro que a educação deve levar em consideração a “comunicação” e a “informação”, mas de modo algum deve pautar-se apenas e exclusivamente nisto.
Finalizo com uma citação de um dos maiores críticos do capitalismo: “Conclamar as pessoas a acabarem com as ilusões acerca de uma situação é conclamá-las a acabarem com uma situação que precisa de ilusões. A crítica não retira das cadeias as flores ilusórias para que o homem suporte as sombrias e nuas cadeias, mas sim para que se liberte delas e brotem flores vivas” (Karl Marx).
Atenciosamente, Edvaldo dos Reis.
Guarulhos – SP, 30 de junho de 2013.



REFERÊNCIAS:

ARCE, Alessandra. Compre o kit neoliberal para a Educação Infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educ. Soc., Campinas, v. 22, n. 74, p. 251-283, abr. 2001.

DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2 ed. Campinas: Autores Associados, 2001.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 36 ed. Campinas: Autores Associados, 2003.



sábado, 29 de junho de 2013

DEUS

Para uma vendedora de balas que encontrei certo dia no 712*.

Há pessoas que usam a palavra deus de modo ingênuo,
Algumas de maneira patológica
E outras de forma desesperada.
Dentre estas três distinções,
Certamente deve haver mais,
Apenas o desespero me agrada,
E é só neste que,
Apesar da minha descrença,
Eu consigo ver Deus.


*Ônibus.

MINHA MÁXIMA

Eu, por seu ateu, 
venho substituindo a máxima 
“a justiça de deus tarda, mas não falha”
por algo que considero mais simples e coerente: 
“a vida é uma boa roteirista”.

sábado, 15 de junho de 2013

17 DE JUNHO

É inegável que qualquer protesto ou manifestação se inicia com palavras, mas palavras, embora objetivas, são essencialmente abstratas, e só o concreto é capaz de desenvolver uma revolução.
Com palavras se conscientiza a massa e até mesmo a aliena, mas é por meio da ação que o povo conscientizado e unido ganha força, mesmo quando há repressão.
Se há repressão, por sua vez, é porque foi tocada, mesmo que de leve, a base que mantém a sociedade dividida em classes, e só a unidade classista é capaz de nos trazer a tão sonhada justiça.
Ser justo, por seu tempo, compreende não apenas o respeito com o chamado “patrimônio público”, mas, acima de tudo, jamais se calar diante da opressão.
Não se calar, por seu turno, não corresponde simplesmente ao ato de silenciar-se, mas, sobretudo, gritar por meio da ação.
Agir, por sua vez, não se restringe à ação de indignar-se em redes sociais, tampouco postar frases prontas de autores que a maior parte das vezes pouco se conhece. Na verdade, sou totalmente a favor dos que quebram o silêncio e denunciam as explorações do capital, mas, assim como sombras são sombras – como nos mostra Platão, em A República –, as palavras, por si mesmas, são também apenas palavras, embora possam desencadear ações.
Portanto, mais importante do que falar, citar, postar, compartilhar, curtir, divulgar, cantarolar..., é agir – e agir não de maneira passional e irracionalista, mas com responsabilidade e respeito aos interesses do povo, que está acima de objetivos partidários, faccionais e de grupos elitizados.
Como nos diz Brecht, os que lutam um dia são bons e os que lutam muitos anos são melhores ainda, porém os imprescindíveis são os que lutam por toda a vida.
Assim, convido a todos os que compartilham desta mesma ideia a irem segunda-feira, dia 17 de junho de 2013, à “Manifestação dos 20 centavos” (como assim prefiro chamar), porque ficar em casa assistindo Malhação é um sinal patológico de acomodação.
Como nos diz João do Rio, “a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!”, assim, chamo a todos para irem às ruas, porque nelas podemos mostrar, de fato, quantos somos. Saiamos da caverna, meu povo, deixem de lado a Seleção, o Amistoso, o Facebook e a televisão.

domingo, 26 de maio de 2013

= ?

Numa sociedade desigual,
Os desiguais ignoram a igualdade.
E para que que ela serve mesmo?


domingo, 19 de maio de 2013

ATIVIDADE DO N


Ontem, 18 de maio de 2013, Julia trouxe aqui para casa o seu livro do Instituto Alfa e Beto (IAB), que, por sinal, é um excelente (e barato!) material para a alfabetização de crianças.
Contrariamente ao que pregam os construtivistas, as “cartilhas” fônicas, como é o caso desta do IAB, levam as crianças, sim, a adquirirem “autonomia” – na verdade, acredito serem estes materiais os mais adequados para este quesito, pois, depois de fazerem as primeiras atividades, as crianças conseguem fazer sozinhas as outras, haja vista que as mesmas são organizadas de maneira que se respeite o desenvolvimento cognitivo das crianças e o seu conhecimento “prévio”, como na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) vigotskiana.
Este ano eu comprei três livros do IAB para ela, os quais pertencem à mesma coleção: Grafismo e Caligrafia.
É um material riquíssimo e, pelo menos para mim, muito bem elaborado.
Julia já está no segundo livro, o primeiro levou menos de dois meses para fazê-lo completamente, e o último contempla o ensino das letras cursivas, o qual exige um pouco mais de coordenação motora.
Estamos, eu e a minha irmã, contentes com os resultamos que Ju vem obtendo; contentes pelos exercícios que, mesmo “mecânicos” (e isto reconhecemos), não têm levado-a ao desinteresse; contentes, enfim, com seu desempenho perante as atividades de leitura, escrita e de manipulação consciente de fonemas.
Convém ressaltar, por fim, que não estamos restringindo seu ensino e sua aprendizagem apenas ao material do IAB, mas também lhe propondo desafios que levam em consideração às práticas sociais de leitura e escrita – tão comumente difundidas no país sob o mote de “letramento”. No entanto, tais atividades quase sempre se dão de modo espontâneo, por parte da própria Julia, o que não condeno, pelo contrário, até reforço, mas isto não implica ignorar as evidências científicas que comprovam a eficácia do trabalho com a consciência fonológica e com a explicitação das relações grafema-fonema, durante o processo de alfabetização, para a apropriação do princípio alfabético.     
Abaixo se encontram anexadas algumas fotos da atividade realizada ontem.


(TCC)




sexta-feira, 17 de maio de 2013

DITADO SEM DITADURA: É POSSÍVEL? SIM!

Hoje à tarde, Julia esteve aqui em casa – na verdade, Ju vem aqui quase toda hora –, e, como sempre, pegou uma folha de caderno que estava em cima da minha escrivaninha e começou a desenhar. Como eu sei que a sua mãe está lhe ensinando a família silábica do b, eu, mexendo no computador, falei, brincando:
– Ju, como é b com a?
Ela, rapidamente, respondeu:
– Ba!
Beleza, até aí tudo bem, afinal ela “memorizou” (como diria os construtivistas de plantão) a família do b. No entanto, resolvi desafiá-la um pouco mais:
– E t com u?
Sem muito pensar, ela falou:
– Tu.
Achei intrigante o despertar de sua consciência fonêmica, e as respostas dela me deram tanta euforia que resolvi bolar uma atividade em cima da hora, sem muito planejar.
Levantei-me da cama, peguei uma folha de sulfite, dei-lhe um lápis de escrever e pedi que se sentasse na cama para fazermos uma atividade. De pouco em pouco, comecei a digitar palavras no meu computador, palavras de conversão grafofonológica simples, admito, mas desafiantes para sua idade.
A primeira palavra foi boi. Embora tal palavra seja um monossílabo, resolvi separar suas letras, de modo que a mesma, após ser fragmentada, ficou assim: bo   i. Não foi muito difícil lê-la, na verdade, foi até fácil, porque ela quase que leu sozinha, e isso por meio da decodificação (soletração).
Após ler (e não adivinhar) a palavra boi, pedi que a copiasse na folha de sulfite que lhe dei, e isso ela fez com maestria (risos). E assim se deu boa parte da atividade. Contudo, nas últimas três palavras do ditado, pedi que ela própria as digitasse no computador, letra por letra, sílaba por sílaba, até porque não vejo nada de mecânico nisto.
A atividade foi um sucesso, pois conseguir alcançar o objetivo principal que pretendia: descobrir se as instruções fônicas que estamos lhe dando estão surtindo bons resultados.
Percebi que, aos poucos, Julhinha está adquirindo o princípio alfabético, pelo menos está começando a conseguir fazer relação grafema-fonema, embora ainda rudimentar, mas que é normal para uma criança de quatro anos de idade.
Com esta atividade também detectei um problema: os fonemas p, b, t e d são muito parecidos entre si, no que diz respeito à articulação, e isso a confundiu bastante, porém chamei a sua atenção para cada um deles, enfatizando os sons de cada um e juntando-os com todas as vogais.
Ao final, ela perguntou-me se podia desenhar no restante da folha, e como a atividade era sua, respondi-lhe que sim, que podia fazer o que quisesse com ela.
Quero deixar registrado aqui mais um fato que não é novo, porém, em tempos em que não se sabe distinguir construtivismo de pós-modernismo, é mais do que válido lembrar: a escrita é um objeto social, e, como tal, possui suas regras e convenções; sua aprendizagem requer instrução e explicitação, e, como diz Klein (2012),

o contato da criança e sua ação sobre os símbolos da escrita, ainda que esses símbolos estejam organizados correta e significativamente como linguagem, não garantem, por si sós, que a criança aprenda a linguagem escrita. Isto porque, nesta circunstância, o aprendiz estará diante de um punhado de “coisas” que não configuram a linguagem escrita. É preciso que haja homens utilizando de forma real essa linguagem, para que ela se configure enquanto tal (Op. cit., 2012, p. 109).

Que as pessoas jamais se esqueçam disto!
Abaixo encontram-se anexadas algumas fotos que tirei durante a atividade:










(Odeio modismos, ainda mais os "pós-modernos", no entanto ela insistiu que queria o "coraçãozinho", mas já estou cogitando a possibilidade de "letrá-la", a partir, no entanto, da dialética marxista) 







REFERÊNCIA: 

KLEIN, Lídia Regina. Alfabetização: quem tem medo de ensinar?. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2012.

sábado, 11 de maio de 2013

DIA DAS MÃE PEDAGÓGICO


Ontem, 10 de maio de 2013, eu comentei com a Cicera que ia chamar Julia para escrevermos uma carta do Dia das Mães. A Ci, aproveitando o nosso projeto de pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (A Alfabetização Construtivista na Contramão do Ensino: uma análise política e pedagogia dos PCNs), incentivou-me levar Ju a escrever duas cartas: uma de modo convencional (a partir da cópia) e outra por meio da escrita espontânea (tendo como marco teórico A Psicogênese da Língua Escrita).
Pois bem, foi isso o que fizemos hoje pela manhã: liguei para Ju assim que ela acordou e contei-lhe do “projeto” (ela, por sinal, adora essa palavra), meia hora depois Julia já estava aqui em casa, com todo o ânimo.
Vale destacar um fato intrigante: minha irmã e Julia estavam trancadas dentro de casa, isto porque meu cunhado saiu para trabalhar e levou a chave dela, portanto, Ju teve que sair pela janela da cozinha, mas isso não atrapalhou em nada a nossa proposta de escrita: um cartão para o Dia das Mães.
A primeira etapa da confecção do cartão ocorreu como eu supunha, em exceção a um personagem do desenho, pois Ju desenhou também o avô dela, isto é, meu pai, o qual ela não chegou a conhecer (dia 30 de maio fará doze anos que ele faleceu).
Na verdade, eu gostaria de destacar três aspectos do desenho dela: o primeiro é a face do sol (quando eu era pequeno eu também o desenhava com olhos, boca e nariz, e isso eu acho muito lindo); o segundo diz respeito à flor, às nuvens e ao coração, pois eu não lhe dei nenhum modelo e ela desenhou de modo bem parecido; e, por fim, a família, a saber, ela desenhou seis personagens: a mãe, o pai, ela, a avó, o avô e eu, isto é, minha irmã, meu cunhado, ela, minha mãe, meu pai e eu, todos de mãos dadas (isto me recordou o poema do Drummond, de sua obra Sentimento de mundo, o qual diz: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”).


Depois que Ju terminou de desenhar a capa do cartão e escreveu o seu título (a partir, no entanto, da cópia de um modelo que eu lhe ofereci), partimos para a escrita do conteúdo do cartão: um lado foi reservado para a escrita espontânea, e o outro para a escrita alfabética.
Começamos pela escrita psicogenética, isto é, pautada nas pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. Nesse momento, eu lhe perguntei o que ela gostaria de dizer à mãe dela, e ela me respondeu o seguinte:
– Mamãe, eu te amo, um beijo e uma flor.
Pois bem, pedi-lhe que escrevesse tal mensagem; primeiro ela hesitou, dizendo-me que não sabia escrever, mas depois de eu insistir, começou a imitar uma escrita convencional em letras cursivas, embora tenha assinado seu nome em letras de forma, tal como ela já aprendeu e memorizou.


Quando eu lhe pedi que lesse, houve uma confusão semântica, pois, onde supostamente estava escrito um beijo e uma flor, ela, ao “ler” para mim, disse-me que estava escrito beija-flor. Quando pedi que relesse, ela, como uma boa capricorniana, gritou:
– Já chega, Adivaldo!
A escrita convencional foi um pouco mais demorada, embora ela conheça bem as letras e já saiba reproduzi-las. No entanto, houve dificuldades para escrever o número dois (2), mas eu lhe ensinei, em outro papel, o desenho deste numeral, e, após algumas tentativas, ela conseguiu copiá-lo.


Depois, ao terminar de escrever, ela pediu-me que lesse, e, quando eu terminei de ler, ela perguntou:
– Cadê o beijo e a flor?
Eu lhe respondi que não tínhamos escrito, mas que ela poderia desenhá-los, aí ela desenhou uma flor, um coração (já que me disse que não sabia desenhar um beijo), e, seguindo o ritmo do entusiasmo, desenhou, novamente, nuvens e o sol “humanizado”.
Além do cartão, que foi o objeto central a ser produzido, esta intervenção pedagógica me fez perceber que, nesse caso, pelo menos com Julia, a cópia não traumatiza e não impede à espontaneidade, apenas molda uma escrita padrão. No entanto, quero deixar bem claro que a escrita espontânea é muito importante para o desenvolvimento criativo das crianças e para exporem, por meio de desenhos e de traçados, as suas emoções. Contudo, embora a escola possa, e deva, utilizá-la em diversas atividades, cabe a ela, também, ensinar a escrita convencional desde cedo, pois é a mesma que será cobrada mais adiante e é a partir desta que a escrita ganha seu caráter inteligível.
Embora eu defenda os preceitos do método fônico e não goste das propostas didáticas difundidas pela perspectiva psicogenética, por uma série de fatores que não convém relatar aqui, acredito que as pesquisas de Ferreiro, Teberosky e seus colaboradores são de grande valia para se compreender a escrita infantil, assim como as de Vygotsky, Luria e Leontiev.
Abaixo se encontram algumas fotos que tirei durante a confecção do cartão.
Feliz Dia das Mães!






Obs.: Percebi um interesse demasiado de Julia pelo til (~) da palavra mamãe, penso que isso poderá atrapalhar sua escrita, já que toda vez que aparecia a vogal a durante o restante da escrita da frase, ela me perguntava se era para colocar, ou não, o “bigodinho” (~) em cima da letrinha a.

Julia Oliveira Araujo, 4 anos e 4 meses de idade.