quarta-feira, 21 de agosto de 2013

REMOTO CONTROLE

“Amanhã é dia de nascer de novo!”
(Caio Fernando Abreu)

Cada nascer do sol é um novo assassinato. Às vezes morro mais de dez vezes por dia, mas sempre escapo. Veja bem, não falo de suicídio. Pelo contrário, todas as evidências apontam para homicídios qualificados.
Com o tempo, porém, adquiri certa experiência, e, dependendo do meu estado de espírito, só morro uma ou duas vezes ao dia; no máximo, três. No entanto, admito: houve dias em que fiquei todo fuzilado. Mas me recuperei.
Ligo a televisão de manhã e vou ao encontro de Bernardes, de repente, não infringindo nenhuma regra de etiqueta, suas palavras me acertam em cheio. Logo em seguida, sou baleado por Tralli. Um pouco mais tarde, os cientistas sociais Datena, Percival e Rezende metralham-me com suas teses criminais. No intervalo de um programa a outro, é praxe levar cacetadas de algum partido oportunista. O Tramontina, em seguida, enfia sua faca enferrujada nas minhas vísceras. Um pouco mais tarde, é a vez do Bonner, com muita elegância e imparcialidade positivista. Imediatamente, com toda a sua poesia-concreta, levo um tiro da Poeta. Jabor, ao acertar em cheio o meu coração, dá-me o xeque-mate e meu corpo se desfalece ao chão.
É. Morri. Mais uma vez.
De vagar, minha alma caminha até minha escrivaninha. Pega o Manifesto comunista, folheia O capital, abraça Neruda, guerrilha com Marighella, graceja Ramos, recita Brecht e Drummond, ama Amado, colhe rosas com Luxemburgo, toca o âmago de Saramago. Às vezes é necessário algo mais doce e paranóico, aí carece apelar para Clarice Lispector, Roberto Freire, Caio Fernando e Fernando Pessoa; quando a dor não passa, chama Cecília Meireles, Adélia Prado e Lúcia Miranda, que quase sempre vêm acompanhadas por Charles Baudelaire e Mario Quintana.
Em poucos instantes, dou-me por mim mais uma vez. Vivo!
É. Ressuscitei. Ressuscitaram-me.
Aquilo que vive em mim não morre tão fácil assim.

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