Ontem, 10 de maio de 2013, eu comentei com a Cicera que ia chamar
Julia para escrevermos uma carta do Dia das Mães. A Ci, aproveitando o nosso
projeto de pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (A Alfabetização Construtivista na Contramão do Ensino: uma análise
política e pedagogia dos PCNs), incentivou-me levar Ju a escrever duas
cartas: uma de modo convencional (a partir da cópia) e outra por meio da
escrita espontânea (tendo como marco teórico A Psicogênese da Língua Escrita).
Pois bem, foi isso o que fizemos hoje pela manhã: liguei para
Ju assim que ela acordou e contei-lhe do “projeto” (ela, por sinal, adora essa
palavra), meia hora depois Julia já estava aqui em casa, com todo o ânimo.
Vale destacar um fato intrigante: minha irmã e Julia estavam trancadas
dentro de casa, isto porque meu cunhado saiu para trabalhar e levou a chave
dela, portanto, Ju teve que sair pela janela da cozinha, mas isso não
atrapalhou em nada a nossa proposta de escrita: um cartão para o Dia das Mães.
A primeira etapa da confecção do cartão ocorreu como eu
supunha, em exceção a um personagem do desenho, pois Ju desenhou também o avô
dela, isto é, meu pai, o qual ela não chegou a conhecer (dia 30 de maio fará
doze anos que ele faleceu).
Na verdade, eu gostaria de destacar três aspectos do desenho
dela: o primeiro é a face do sol (quando eu era pequeno eu também o desenhava
com olhos, boca e nariz, e isso eu acho muito lindo); o segundo diz respeito à
flor, às nuvens e ao coração, pois eu não lhe dei nenhum modelo e ela desenhou
de modo bem parecido; e, por fim, a família, a saber, ela desenhou seis
personagens: a mãe, o pai, ela, a avó, o avô e eu, isto é, minha irmã, meu
cunhado, ela, minha mãe, meu pai e eu, todos de mãos dadas (isto me recordou o poema
do Drummond, de sua obra Sentimento de
mundo, o qual diz: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos
afastemos muito, vamos de mãos dadas.”).
Depois que Ju terminou de desenhar a capa do cartão e
escreveu o seu título (a partir, no entanto, da cópia de um modelo que eu lhe
ofereci), partimos para a escrita do conteúdo do cartão: um lado foi reservado
para a escrita espontânea, e o outro para a escrita alfabética.
Começamos pela escrita psicogenética, isto é, pautada nas
pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky. Nesse momento, eu lhe perguntei o
que ela gostaria de dizer à mãe dela, e ela me respondeu o seguinte:
– Mamãe, eu te amo, um beijo e uma flor.
Pois bem, pedi-lhe que escrevesse tal mensagem; primeiro ela
hesitou, dizendo-me que não sabia escrever, mas depois de eu insistir, começou
a imitar uma escrita convencional em letras cursivas, embora tenha assinado seu
nome em letras de forma, tal como ela já aprendeu e memorizou.
Quando eu lhe pedi que lesse, houve uma confusão semântica,
pois, onde supostamente estava escrito um
beijo e uma flor, ela, ao “ler” para mim, disse-me que estava escrito beija-flor. Quando pedi que relesse,
ela, como uma boa capricorniana, gritou:
– Já chega, Adivaldo!
A escrita convencional foi um pouco mais demorada, embora ela
conheça bem as letras e já saiba reproduzi-las. No entanto, houve dificuldades
para escrever o número dois (2), mas eu lhe ensinei, em outro papel, o desenho
deste numeral, e, após algumas tentativas, ela conseguiu copiá-lo.
Depois, ao terminar de escrever, ela pediu-me que lesse, e,
quando eu terminei de ler, ela perguntou:
– Cadê o beijo e a flor?
Eu lhe respondi que não tínhamos escrito, mas que ela poderia
desenhá-los, aí ela desenhou uma flor, um coração (já que me disse que não
sabia desenhar um beijo), e, seguindo o ritmo do entusiasmo, desenhou,
novamente, nuvens e o sol “humanizado”.
Além do cartão, que foi o objeto central a ser produzido, esta
intervenção pedagógica me fez perceber que, nesse caso, pelo menos com Julia, a
cópia não traumatiza e não impede à espontaneidade, apenas molda uma escrita
padrão. No entanto, quero deixar bem claro que a escrita espontânea é muito
importante para o desenvolvimento criativo das crianças e para exporem, por
meio de desenhos e de traçados, as suas emoções. Contudo, embora a escola possa,
e deva, utilizá-la em diversas atividades, cabe a ela, também, ensinar a
escrita convencional desde cedo, pois é a mesma que será cobrada mais adiante e
é a partir desta que a escrita ganha seu caráter inteligível.
Embora eu defenda os preceitos do método fônico e não goste
das propostas didáticas difundidas pela perspectiva psicogenética, por uma
série de fatores que não convém relatar aqui, acredito que as pesquisas de
Ferreiro, Teberosky e seus colaboradores são de grande valia para se
compreender a escrita infantil, assim como as de Vygotsky, Luria e Leontiev.
Abaixo se encontram algumas fotos que tirei durante a
confecção do cartão.
Feliz Dia das Mães!
Obs.: Percebi um interesse demasiado de Julia pelo til (~) da palavra mamãe, penso que isso poderá atrapalhar sua escrita, já que toda
vez que aparecia a vogal a durante o
restante da escrita da frase, ela me perguntava se era para colocar, ou não, o “bigodinho”
(~) em cima da letrinha a.
Julia Oliveira Araujo, 4 anos e 4 meses de idade.