Aos meus avós maternos, Vanda e Pedro,
Com imenso carinho e gratidão.
No autorretrato que me tempero
Costumo dizer,
Sem muito exagero,
Que na minha formação
Faltou sal,
Faltou açúcar,
Faltaram canela, alecrim, cominho e manjericão.
Esqueceram de temperar-me com pimenta-do-reino
E quase não me coraram com urucum,
A ponto de eu ter saído com essa cor,
Pálida,
Meio morta,
Meio viva também,
Porque ainda corre sangue.
Faltou o essencial,
Que é o açúcar e o sal,
A pimenta-do-reino triturada no
moinho de Cainana,
A velha Vanda, minha avó,
A velha Vanda, minha avó,
E o Urucum, vermelho como minha
bandeira,
Colhido por Pedro Carneiro, meu avô.
Não obstante,
Sobrou a crítica,
Transbordaram-me de realidade,
Cimentaram-me de fatos,
Que pouco sei interpretá-los.
Como consolo, restou-me as palavras,
Que por pouco não me foram tiradas
Em nome do estudo das leis,
Como queria o meu avô.
Sem sal e sem açúcar,
Nada de pimenta-do-reino, urucum,
cominho, alecrim ou manjericão.
Sem leis também, graças ao fracasso
do meu primeiro vestibular.
Mas irremediavelmente ligado às
palavras,
E, ainda assim, é gozado observar como
a vida é irônica,
De certo modo não trair, por
completo,
O desejo do meu avô para comigo,
Que é o de defender os injustiçados,
Os escravos da modernidade,
Os marginalizados pelo capital.
Enfim, pratico,
Do meu jeito desajeitado,
A justiça das palavras,
Que é também sem sal,
Sem açúcar,
Sem cominho,
Sem Pimenta-do-reino, canela e
urucum.
Eu e o meu desejo doido de mudar o
mundo,
Procurando fazer justiça com as próprias
palavras,
Buscando verbalizar a transformação
social.
Mas nada, nada,
Nada disso justifica meu destempero,
Acho que no fundo, no fundo,