quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MACHUCADOS


Em memória de Jorge Amado.


Jamais aponte o dedo na cara da ferida-humana e diga “você é o culpado!”. Ora, como disse, é só uma ferida, quase sempre inflamada, putrificada, a jorrar pus na cara da gente.
Este teu dedo apontado, suponho que o indicador, impede-te de ver a gênese do machucado, as balas perdidas, os insultos achados, as pauladas pedagógicas ganhadas a troco de nada e o olhar frio e usurpador dos verdadeiros culpados.
Agora, que já sabes o outro lado da verdade – porque a verdade é multifacetada –, aprende, de uma vez por todas, e sem drama, que temos nossa parcela de culpa na produção de chagas-humanas.
Lembra-te, sempre que possível, sempre que a pós-modernidade esquecer de te engolir, que os ditos métodos corretivos aplicados pela “Justiça”, as casas de recuperação, os reformatórios e os abrigos de reclusão social nada mais são do que indústrias a fabricarem feridas-sociais das quais te falo.
Cuidado, muito cuidado com o teu dedo apontado. Não te esqueças, em hipótese alguma, que nada mais são do que feridas malogradas, não passam de reles machucados – às vezes putrificados, sujos, abandonados, ausentes de carinho, desconhecedores da compaixão, vítimas de seus próprios crimes praticados, mas sempre machucados. 

domingo, 16 de dezembro de 2012

SOBRE OS RÓTULOS


Bicho batizado
É bicho meio domado.
Fera nomeada
É fera 50% delicada.
Homem etiquetado
É homem condicionado.
Deus salve os rótulos!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ANAGLIPTOGRAFIA


Eu decodifiquei os hieróglifos de tua alma,
Li a mensagem subliminar de tuas taquicardias,
Recitei o grito embargado em teu pomo de adão
E soletrei tua cartilha libidinosa, com ousadia.

Eu cavalguei sobre teus sonhos infames,
Pisoteei o sagrado do teu lado profano,
Colhi teu fruto na estação imprópria
E brinquei com teu brinquedo ufano.

Eu penetrei na impermeabilidade da tua pele,
Regozijei-me do gozo que o gozo tem,
Brindei, com tua cicuta, os infortúnios da vida
E anteontem busquei-te no corpo de outrem.

Quase te achei no gemido de um guarulhense,
Mas faltou o quentume do teu olhar baiano,
Aliás, acho que é dele de quem sinto mais saudade:
Afinal, o que é o amor, senão uma vaga projeção do âmago humano?