sábado, 28 de novembro de 2015

A MUDEZ HEREDITÁRIA


Eram palavras,
Vozes e sons,
Todos harmônicos,
Em relativa cumplicidade.
Mas então veio a crise,
A descoberta,
A saída do armário.
E junto com ela
Vieram os gritos,
O turbilhão de vozes,
O Vozerio,
A algazarra,
As agressões,
Físicas e morais.
Os agudos agravaram-se.
Os graves agudizaram-se.
Com o tempo
A feira de insultos deu lugar ao silêncio.
As palavras se calaram.
Prenderam-se no fundo da garganta,
No calabouço da alma.
As vozes foram abaixando,
Perdendo sua potência vocálica,
Até alcançar o completo silêncio,
A mudez hereditária,
Tanto do pai quanto do filho.
Aí veio a morte,
A morte da palavra,
E com ela a negação de ser humano.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

PARA ELE



Gabriel...
Nome de anjo,
Corpo de marmanjo,
Alma de mel.
A fala me traz a terra,
O falo me leva ao céu.
Entrego-me, fiel,
Ao teu corpo despido,
Com a língua abaixo do umbigo:
Sou teu réu.

Luiz...
Luz e lis.
Minha lousa,
Meu apaga-dor
E meu giz.
Homem e menino,
Manso e traquino:
Meu petit.
Meu chocolate e meu feijão,
Criança do meu coração,
Coração de cana-de-açúcar,
Catuaba e jujuba,
Minha bandeira de Cuba,
Meu Mc Lanche Feliz.


segunda-feira, 6 de julho de 2015

FATO

Para Gabriel Luiz.

CHATO 
Pra rimar,
Bem que poderia ser um hiato,
Mas é só um dígrafo,
Que não pode passar pelo polígrafo,
Ou viraria
GAIATO.


sábado, 6 de junho de 2015

PÓS-MODERNISMO


Para Thauane Rocha e José Brendo, com todo amor.


Os pós-modernos estão certos. Digo isto porque neste momento sou um deles. Toda racionalidade está de fora, porque somos útero e irresponsabilidade. Minha amiga está dançando, a verdade é tão grande que o pensamento a me tirou. Faço poema como aprendi a fazer vida, vivendo. “Preciso de mais água”, falou-me, esquecendo-se que de água precisamos todos nós. O corretor ortográfico corrige a palavra: graças a ele todo um século está salvo e livre de pesquisas inúteis. Uma palavra, mil significados. Onde há gente que fala a mesma língua? Escrevi um milênio e ninguém notou. Foda-se: a eternidade é relativa. Pessoas dançam à minha frente, mais pedidas do que eu, e um boy bem lindinho toma sua Catuaba olhando pra mim. A sexualidade permanece e eu já não estou mais aqui. O inconsciente é lindo, mas cheira a loucura, porque não se passa no tempo certo. Minha amiga permanece conversando. Meu outro amigo reaparece. A loucura é palpável!  Estou mais ciente, mas os significados ainda me falham. Fumei. Cheiro a cigarros. As pessoas dançam. Séculos e séculos dançam os pavões... Darwin tinha razão. Isso tudo era pra ser uma retrospectiva e eu só consigo falar do agora. Era pra ser um conto, mas perdi as contas. Um conto de alguém que fumou e bebeu. Bebi nada, a bebida é quem me lambeu. Uma segunda leitura da vida, é só o que peço, para que tudo permaneça como está. A vida é bonita; parada, mais linda ainda. Registro tudo isso porque quero prendê-la. Já que me prendeu neste corpo, que sofra do mesmo mal, ficando presa aqui, sim. Lembro-me de Ana C, e aqui coloco o ponto final: fim.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

CANSADO



Estou cansado
Das mentiras,
Das inverdades,
Das discussões,
Dos discursos,
Do curso,
Da vaidade.

Estou cansado
Da fala mansa dos ladrões,
Do nosso silêncio demente,
Da lousa que derruba cifrões,
Da fé tola dos crentes,
Do giz que explode canhões,
Do guache demasiado inocente.

Estou cansado
Das renúncias,
Das quimeras,
Do espírito sem ação,
Da esperança que não me espera.

Estou cansado
Da Justiça trocada por mercadoria,
Do direito contrabandeado,
Da corrupção nossa de cada dia
E do pão que brota dela 
Por todos nós amassado.

Estou cansado...
Tudo é comércio,
Tudo é mercado.
Minha alma gripada grita por gente
Mas gente é força de trabalho.

Estou cansado
Da exposição de gráficos,
Da manipulação de dados,
De estatísticas estéreis,
De preencher formulários,
Do papel complacente,
Dos laudos.

Estou cansado
Da caneta que vai salvar o planeta,
Da secretária do Secretário,
Da política e sua punheta,
Do analfabetismo legitimado:
Meu cu também é pré-silábico.

Perdoe-me o baixo calão,
É que estou cansado...
Da alfabetização,
Dos homens casados,
Dos armários no armário,
Dos héteros que beijam veado,
Das falas,
Das filas,
Do falo.

Estou cansado
Desta esquizofrenia,
Da injustiça forjada em aço,
Da burocracia,
Do maço de almaço,
Das escolas,
Das esquinas,
Das esmolas,
Da purpurina,
Dos meninos,
Das meninas,
Do papel timbrado,
Da Dona Carochinha,
Do Estado.


domingo, 11 de janeiro de 2015

ASSIM, SIM


"Vi conde Drácula sugando o sangue novo e se escondendo atrás da capa."
(Raul Seixas, in Eu nasci há dez mil anos atrás)

Às escuras,
Regado ao breu,
No sigilo,
Total discrição...
Assim pode,
Porque assim ninguém vê, não.

Com suor,
Gemidos baixos,
Em silêncio,
A pegação...
Assim pode,
Porque assim não se ouve, não.

Portas trancadas,
Tevê ligada,
Com saliva e com afeto,
A penetração...
Assim pode,
Porque assim não é pecado, não.

Em segredo,
À luz do medo,
Macho X Macho,
A dominação...
Assim pode,
Porque assim reza a tradição.