quinta-feira, 1 de setembro de 2016

NADA A TEMER


Meu coração é um coquetel molotov:
Ao menor contato com fogo
Incendeia-se e se explode.
Ao chão, fragmenta-se em estilhaços
Que ferem os que ousam tocá-los.
Meu coração está aos cacos!

Minha alma é movida a libido e a álcool:
Ela própria é quente e volátil.
Dentro de si há um bar impróprio:
Eros embebeda-se de amor e vomita ópio;
Thanatos embriaga-se de dor e destila ódio.

Minha psique é um signo linguístico
Cujo significante reduz-se a gemidos edipianos.
Seu significado, porém, não está escrito
No pensamento freudiano.

Meu espírito vive em estado de sítio,
Todo ele é confusão e grito.
Com meu povo, com minha gangue
Vou pras ruas com minhas bandeiras:
Uma é colorida, tão bonita!
A outra é vermelha, feito sangue.

Tenho Sol e Lua em Capricórnio,
Mercúrio e Vênus em Sagitário:
Minha rebeldia se ascende em Aquário.

Por isso nado.
Mesmo faltando fôlego,
Mesmo estando fraco,
Ainda que sozinho, eu nado.
Sem a companhia de Deus ou de Iansã.
Mas como escapar deste pântano gelado
Se o monstro das águas, o Leviatã,
Ergue-se de dentro do lago?

Minha voz fina grita.
Indignada, nada tem a temer.
E por que temeria?
Quando estou prestes a morrer,
Faço nascer uma poesia.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

OREN HASSON


Choro por mim, por ele e pela mãe dele. E também pelo pai, pelos filhos e pelos espíritos e santos.
Choro por mim por não ter alcançado, ainda, o estado de espírito no qual não será mais preciso chorar. Choro, sobretudo, porque me dei conta de que ainda me importo, e por me importar não consigo fazer outra coisa a não ser isso.
Choro por ele porque ele chora por mim e pela mãe; porque não sabe transitar por esta encruzilhada a não ser vertendo lágrimas, quando, na verdade, só é preciso uma tesoura e coragem, para cortar o cordão umbilical que os liga. Choro por ele porque ele é um menino e meninos choram, e homens também; choro porque eu não queria vê-lo chorando, embora eu mesmo o faça chorar.
Choro pela mãe dele porque destruímos, com um só golpe, o seu sonho cristão. Choro porque ela tem medo e chora calada na calada da noite, sem ninguém para enxugar suas lágrimas. Choro porque involuntariamente sou responsável por seu choro, ainda que intimamente eu não carregue esta culpa.
Choro também por Deus, que nesse momento rir de nós, ao descascar cebolas. Choro por Deus porque ele é fraco, e tal como um vírus, precisa de um hospedeiro para se reproduzir. Choro porque ele poderia ter chorado um pouco mais, o bastante para afogar Noé, o patriarcado e a sua arca heterossexual.
E choro, por fim, pela humanidade, que de tanto chorar, secou-se.


sábado, 28 de novembro de 2015

A MUDEZ HEREDITÁRIA


Eram palavras,
Vozes e sons,
Todos harmônicos,
Em relativa cumplicidade.
Mas então veio a crise,
A descoberta,
A saída do armário.
E junto com ela
Vieram os gritos,
O turbilhão de vozes,
O Vozerio,
A algazarra,
As agressões,
Físicas e morais.
Os agudos agravaram-se.
Os graves agudizaram-se.
Com o tempo
A feira de insultos deu lugar ao silêncio.
As palavras se calaram.
Prenderam-se no fundo da garganta,
No calabouço da alma.
As vozes foram abaixando,
Perdendo sua potência vocálica,
Até alcançar o completo silêncio,
A mudez hereditária,
Tanto do pai quanto do filho.
Aí veio a morte,
A morte da palavra,
E com ela a negação de ser humano.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

PARA ELE



Gabriel...
Nome de anjo,
Corpo de marmanjo,
Alma de mel.
A fala me traz a terra,
O falo me leva ao céu.
Entrego-me, fiel,
Ao teu corpo despido,
Com a língua abaixo do umbigo:
Sou teu réu.

Luiz...
Luz e lis.
Minha lousa,
Meu apaga-dor
E meu giz.
Homem e menino,
Manso e traquino:
Meu petit.
Meu chocolate e meu feijão,
Criança do meu coração,
Coração de cana-de-açúcar,
Catuaba e jujuba,
Minha bandeira de Cuba,
Meu Mc Lanche Feliz.


segunda-feira, 6 de julho de 2015

FATO

Para Gabriel Luiz.

CHATO 
Pra rimar,
Bem que poderia ser um hiato,
Mas é só um dígrafo,
Que não pode passar pelo polígrafo,
Ou viraria
GAIATO.


sábado, 6 de junho de 2015

PÓS-MODERNISMO


Para Thauane Rocha e José Brendo, com todo amor.


Os pós-modernos estão certos. Digo isto porque neste momento sou um deles. Toda racionalidade está de fora, porque somos útero e irresponsabilidade. Minha amiga está dançando, a verdade é tão grande que o pensamento a me tirou. Faço poema como aprendi a fazer vida, vivendo. “Preciso de mais água”, falou-me, esquecendo-se que de água precisamos todos nós. O corretor ortográfico corrige a palavra: graças a ele todo um século está salvo e livre de pesquisas inúteis. Uma palavra, mil significados. Onde há gente que fala a mesma língua? Escrevi um milênio e ninguém notou. Foda-se: a eternidade é relativa. Pessoas dançam à minha frente, mais pedidas do que eu, e um boy bem lindinho toma sua Catuaba olhando pra mim. A sexualidade permanece e eu já não estou mais aqui. O inconsciente é lindo, mas cheira a loucura, porque não se passa no tempo certo. Minha amiga permanece conversando. Meu outro amigo reaparece. A loucura é palpável!  Estou mais ciente, mas os significados ainda me falham. Fumei. Cheiro a cigarros. As pessoas dançam. Séculos e séculos dançam os pavões... Darwin tinha razão. Isso tudo era pra ser uma retrospectiva e eu só consigo falar do agora. Era pra ser um conto, mas perdi as contas. Um conto de alguém que fumou e bebeu. Bebi nada, a bebida é quem me lambeu. Uma segunda leitura da vida, é só o que peço, para que tudo permaneça como está. A vida é bonita; parada, mais linda ainda. Registro tudo isso porque quero prendê-la. Já que me prendeu neste corpo, que sofra do mesmo mal, ficando presa aqui, sim. Lembro-me de Ana C, e aqui coloco o ponto final: fim.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

CANSADO



Estou cansado
Das mentiras,
Das inverdades,
Das discussões,
Dos discursos,
Do curso,
Da vaidade.

Estou cansado
Da fala mansa dos ladrões,
Do nosso silêncio demente,
Da lousa que derruba cifrões,
Da fé tola dos crentes,
Do giz que explode canhões,
Do guache demasiado inocente.

Estou cansado
Das renúncias,
Das quimeras,
Do espírito sem ação,
Da esperança que não me espera.

Estou cansado
Da Justiça trocada por mercadoria,
Do direito contrabandeado,
Da corrupção nossa de cada dia
E do pão que brota dela 
Por todos nós amassado.

Estou cansado...
Tudo é comércio,
Tudo é mercado.
Minha alma gripada grita por gente
Mas gente é força de trabalho.

Estou cansado
Da exposição de gráficos,
Da manipulação de dados,
De estatísticas estéreis,
De preencher formulários,
Do papel complacente,
Dos laudos.

Estou cansado
Da caneta que vai salvar o planeta,
Da secretária do Secretário,
Da política e sua punheta,
Do analfabetismo legitimado:
Meu cu também é pré-silábico.

Perdoe-me o baixo calão,
É que estou cansado...
Da alfabetização,
Dos homens casados,
Dos armários no armário,
Dos héteros que beijam veado,
Das falas,
Das filas,
Do falo.

Estou cansado
Desta esquizofrenia,
Da injustiça forjada em aço,
Da burocracia,
Do maço de almaço,
Das escolas,
Das esquinas,
Das esmolas,
Da purpurina,
Dos meninos,
Das meninas,
Do papel timbrado,
Da Dona Carochinha,
Do Estado.