domingo, 16 de fevereiro de 2014

UM PROLETÁRIO


Para Antônia Bruna Silva, com carinho.

Cristãos por toda parte proclamam à volta de Cristo.
Ora, ele já voltou!
É um operário:
Trabalha dez horas por dia,
Produz mais-valia
E não vale nada mais que seu salário.
Acorda às cinco da manhã,
Come pão com café com leite,
Veste seu macacão suado
E pega seu ônibus lotado.
Jesus não é rei,
Não é um lorde,
Não é burguês,
Não leu Maquiavel:
É um proletário.
Assiste novela com a esposa,
Fuma seu cigarro,
Reza antes de dormir
E toma cerveja aos sábados.
Tem quatro filhos.
O mais velho,
Com onze anos,
Não se encontra alfabetizado.
Mas o mais novo,
Com três anos de idade,
Aprendeu a ler o rótulo da Coca-Cola,
Graças a Deus já está letrado.
Jesus é um bom pai.
Um bom marido.
Um bom metalúrgico.
Foi um bom filho.
A mãe, Maria,
Morrera dois meses atrás,
Na mesa de cirurgia.
O pai, José,
Pobre artesão desgraçado,
Do seu meio de produção
Fora historicamente expropriado.
Também morrera,
Seis anos atrás,
Com seus dedos calejados.
Jesus não é carpinteiro,
Não conhece Sociologia,
Não sabe do Monte Sinai,
Mas aprendera metalurgia
Numa oficina do SENAI.
Os calos, em suas mãos,
Cobriram as cicatrizes dos cravos.
As unhas estão sujas de graxa.
O corpo está cansado.
O leite, de suas crias, está acabando
E já se foi todo o seu salário.
Jesus não é monarca,
Não é banqueiro,
Não é um déspota,
Não tem principado.
Ele está aqui.
Mora no outro.
Dentro do outro.
Na dor do outro.
Em todos nós.
Acorda cedo,
Bate cartão,
Cumpre horário:
Jesus é um proletário.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

AO SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS-SP


Educar é um ato político. Talvez esta não seja a melhor maneira de se começar um texto cujo destinatário é nada menos que o Secretário de Educação, pois, como se vê, descumpro a formalidade exigida para tal ocasião. No entanto, já que esta máxima freiriana – tão clichê, por sinal – introduz perfeitamente o assunto que me proponho a discutir, mantenho-a e ouso repeti-la adiante: como o Sr. mesmo sabe, professor Moacir de Souza, educar é um ato político.
Antes de tudo, permita-me uma breve apresentação de minha pessoa: meu nome é Edvaldo dos Reis, tenho 22 anos, sou formado em Pedagogia, já fui estagiário do Centro de Incentivo à Leitura (CIL) no CEU Ottawa-Uirapuru, atualmente curso Ciências Sociais e em breve ingressarei na rede municipal de Guarulhos-SP (como professor de Educação Básica).
Há algum tempo, desde o período em que estagiei em uma escola da Prefeitura de Guarulhos, a educação Infantil e Fundamental I, no município em questão, vem me preocupando bastante, principalmente quando lembro que todo o meu estágio foi realizado em uma escola localizada no Centro deste mesmo município, em outras palavras, não era propriamente uma escola periférica (sem aspas e sem eufemismo). Contudo, até ontem o meu “queijo” não havia sido mexido; hoje, porém, tudo mudou, e o que era apenas uma preocupação, tornou-se efetivamente um problema.
Para ser mais específico, exponho aqui o meu caso em particular, que infelizmente não é um caso único muito menos isolado, portanto, é um problema público: hoje, dia 03 de fevereiro de 2014, na primeira reunião de pais e mestres, a professora de minha sobrinha (de cinco anos de idade) falou que não haverá atividades extraescolares e as atividades intraescolares serão muito poucas, as quais se restringirão à aprendizagem do nome próprio de cada criança (leia-se aluno) e as “letrinhas” do alfabeto. No entanto, a mesma professora “despreocupou” os pais: “haverá muitas brincadeiras: temos três caixas de brinquedos e um tanque de areia”, informou-nos ela.
Antes de eu prosseguir com a minha argumentação, afirmo, desde já, que não tenho nada contra a ludicidade na Educação Infantil; muito pelo contrário, estou ciente dos benefícios que os jogos e as brincadeiras em geral desempenham no desenvolvimento psicomotor das crianças e de sua importância no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, aqui vai voluntariamente a minha primeira crítica maiêutica no texto em pauta: só? Serão duzentos (200) dias letivos brincando? Não haverá conteúdo? Apenas brincar, brincar e brincar?
Eu gostaria muito de estar redigindo esta mensagem com o intuito de cobrar qualidade na educação, mas, veja bem, Sr. Secretário, estou falando apenas de ensino, ou melhor, da falta deste; em outras palavras, estou problematizando o ensino básico, o elementar, o mínimo esperado para crianças que se encontram matriculadas no Estágio II.
No que diz respeito às atividades propostas pela professora, convém eu destacar que minha sobrinha aprendeu a escrever seu nome aos três anos de idade e que ela já conhece todo o alfabeto, ou seja, do ponto de vista intelectual e cognitivo, parece que este ano não terá mais nada a aprender, uma vez que o conteúdo programático fora resumido ao que falei há pouco. Acredito que as outras crianças também já saibam grafar seu nome e conheçam muito bem o abecedário (a Galinha Pintadinha, por seu turno, é mestra em ensinar isto). Entretanto, a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nos obriga a matriculá-la, então, cumpra-se a Lei ou saberemos o peso da espada da Justiça, que por sinal nada vê atrás da venda que cimentaram em seus olhos.
Como disse na introdução, educar é um ato político. Brincar também. E este “brincar” não interessa apenas às crianças, que gostam muito, por sinal. Interessa, sobretudo, a classe dominante. A famosa burguesia. A quem interessa a sonegação do conhecimento? A quem interessa a privatização do saber? A quem interessa a reprodução classista? Sem dúvida educar é um ato político. E brincar é mais ainda.
Um partido realmente de esquerda está ciente disto. Um partido verdadeiramente de esquerda jamais entregará a educação nas mãos dos pós-modernos. Um partido de esquerda consciente do seu papel para com a classe trabalhadora educará os filhos desta classe. A direita, por vez, permite oficialmente a dualidade pedagógica, isto é, a existência de dois grandes modelos de ensino: a escola do rico e a do pobre, como nos diz o professor José Carlos Libâneo, em seu artigo O dualismo perverso da escola pública brasileira.
O professor Newton Duarte, por sua vez, afirma que, se o socialismo é a socialização da riqueza produzida pela humanidade, logo, uma educação de caráter socialista, socializará o conhecimento, isto é, prezará a transmissão do saber, e ensinará efetivamente os filhos da classe trabalhadora.
Anda em voga, ultimamente, a ideia de “criticidade” do aluno. Arautos, das boas novas, proclamam aos quatro ventos a autonomia do “educando”, o seu papel de agente ativo e “transformador” da realidade social. Eu poderia dissertar páginas e mais páginas a respeito disto, mas deixo tal tarefa aos meus amigos “construtivistas”, que apenas com as palavras revolucionarão a ordem vigente, isto é, modificarão a estrutura no plano da superestrutura. No entanto, como não concordo com o discurso vigente, ouso dizer, a contragosto de muitos, que o nada nada critica, simplesmente porque o nada nada é. A famosa criticidade é produto histórico-social, e, como tal, deve ser aprendida. Os alunos não são demiurgos. Diferentemente do que nos ensina a Teologia, nada se cria a partir do nada.
Volto, mais uma vez, a questão dos partidos políticos, e aqui deixo formalmente minha segunda crítica voluntária: o Partido dos Trabalhadores (PT) em Guarulhos-SP, no que diz respeito à educação, tem contribuído, em parte, para com as desigualdades sociais, pelo menos é isso que vejo no panorama da educação. Privar as crianças do conhecimento é um ato político.  
Sem dúvida alguma, Paulo Freire contribuiu imensamente para com a educação como um todo, mas sua teoria sobre a educação bancária, a meu ver, permite uma leitura que, seguida à risca, leva ao esvaziamento da escola. É óbvio que a mera transmissão de conteúdos de pouco nos vale, o que não significa o abandono radical da instrução, caso contrário abandonemos o projeto de escola.
Destaco, ainda, as manifestações de junho de 2013, e o grito do “Gigante”, entre outras coisas, por educação padrão FIFA. É bom saber que não estamos sós.
Por fim, saliento que conheço a proposta pedagógica da rede de Guarulhos e os Referenciais Curriculares Nacionais Para a Educação Infantil, e se somos realmente críticos, ativos e agentes da transformação, e já que a LDBEN no artigo 3º, nos seus incisos II e III, nos assevera a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, acredito ser possível repensar o problema que aqui expus, a fim de buscar solucioná-lo, não para satisfação e regozijo do meu ego, mas para se reparar o grande mal que vem se cometendo na educação pública de nosso município.
Subscrevo-me com os melhores cumprimentos.


Edvaldo dos Reis.