Educar é um ato político. Talvez
esta não seja a melhor maneira de se começar um texto cujo destinatário é nada
menos que o Secretário de Educação, pois, como se vê, descumpro a formalidade
exigida para tal ocasião. No entanto, já que esta máxima freiriana – tão
clichê, por sinal – introduz perfeitamente o assunto que me proponho a
discutir, mantenho-a e ouso repeti-la adiante: como o Sr. mesmo sabe, professor
Moacir de Souza, educar é um ato político.
Antes
de tudo, permita-me uma breve apresentação de minha pessoa: meu nome é Edvaldo
dos Reis, tenho 22 anos, sou formado em Pedagogia, já fui estagiário do Centro
de Incentivo à Leitura (CIL) no CEU Ottawa-Uirapuru, atualmente curso Ciências
Sociais e em breve ingressarei na rede municipal de Guarulhos-SP (como
professor de Educação Básica).
Há
algum tempo, desde o período em que estagiei em uma escola da Prefeitura de
Guarulhos, a educação Infantil e Fundamental I, no município em questão, vem me
preocupando bastante, principalmente quando lembro que todo o meu estágio foi
realizado em uma escola localizada no Centro deste mesmo município, em outras
palavras, não era propriamente uma escola periférica (sem aspas e sem
eufemismo). Contudo, até ontem o meu “queijo” não havia sido mexido; hoje, porém,
tudo mudou, e o que era apenas uma preocupação, tornou-se efetivamente um
problema.
Para
ser mais específico, exponho aqui o meu caso em particular, que infelizmente não
é um caso único muito menos isolado, portanto, é um problema público: hoje, dia
03 de fevereiro de 2014, na primeira reunião de pais e mestres, a professora de
minha sobrinha (de cinco anos de idade) falou que não haverá atividades
extraescolares e as atividades intraescolares serão muito poucas, as quais se
restringirão à aprendizagem do nome próprio de cada criança (leia-se aluno) e
as “letrinhas” do alfabeto. No entanto, a mesma professora “despreocupou” os
pais: “haverá muitas brincadeiras: temos três caixas de brinquedos e um tanque
de areia”, informou-nos ela.
Antes
de eu prosseguir com a minha argumentação, afirmo, desde já, que não tenho nada
contra a ludicidade na Educação Infantil; muito pelo contrário, estou ciente dos
benefícios que os jogos e as brincadeiras em geral desempenham no
desenvolvimento psicomotor das crianças e de sua importância no processo de
ensino-aprendizagem. Entretanto, aqui vai voluntariamente a minha primeira
crítica maiêutica no texto em pauta: só? Serão duzentos (200) dias letivos
brincando? Não haverá conteúdo? Apenas brincar, brincar e brincar?
Eu
gostaria muito de estar redigindo esta mensagem com o intuito de cobrar
qualidade na educação, mas, veja bem, Sr. Secretário, estou falando apenas de
ensino, ou melhor, da falta deste; em outras palavras, estou problematizando o ensino
básico, o elementar, o mínimo esperado para crianças que se encontram
matriculadas no Estágio II.
No
que diz respeito às atividades propostas pela professora, convém eu destacar
que minha sobrinha aprendeu a escrever seu nome aos três anos de idade e que
ela já conhece todo o alfabeto, ou seja, do ponto de vista intelectual e
cognitivo, parece que este ano não terá mais nada a aprender, uma vez que o
conteúdo programático fora resumido ao que falei há pouco. Acredito que as
outras crianças também já saibam grafar seu nome e conheçam muito bem o
abecedário (a Galinha Pintadinha, por
seu turno, é mestra em ensinar isto).
Entretanto, a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), nos obriga a matriculá-la, então, cumpra-se a Lei ou
saberemos o peso da espada da Justiça, que por sinal nada vê atrás da venda que
cimentaram em seus olhos.
Como
disse na introdução, educar é um ato
político. Brincar também. E este “brincar” não interessa apenas às
crianças, que gostam muito, por sinal. Interessa, sobretudo, a classe
dominante. A famosa burguesia. A quem interessa a sonegação do conhecimento? A
quem interessa a privatização do saber? A quem interessa a reprodução
classista? Sem dúvida educar é um ato
político. E brincar é mais ainda.
Um
partido realmente de esquerda está ciente disto. Um partido verdadeiramente de
esquerda jamais entregará a educação nas mãos dos pós-modernos. Um partido de
esquerda consciente do seu papel para com a classe trabalhadora educará os
filhos desta classe. A direita, por vez, permite oficialmente a dualidade
pedagógica, isto é, a existência de dois grandes modelos de ensino: a escola do
rico e a do pobre, como nos diz o professor José Carlos Libâneo, em seu artigo O dualismo perverso da escola pública
brasileira.
O
professor Newton Duarte, por sua vez, afirma que, se o socialismo é a socialização
da riqueza produzida pela humanidade, logo, uma educação de caráter socialista,
socializará o conhecimento, isto é, prezará a transmissão do saber, e ensinará
efetivamente os filhos da classe trabalhadora.
Anda
em voga, ultimamente, a ideia de “criticidade” do aluno. Arautos, das boas
novas, proclamam aos quatro ventos a autonomia do “educando”, o seu papel de
agente ativo e “transformador” da realidade social. Eu poderia dissertar
páginas e mais páginas a respeito disto, mas deixo tal tarefa aos meus amigos
“construtivistas”, que apenas com as palavras revolucionarão a ordem vigente,
isto é, modificarão a estrutura no plano da superestrutura. No entanto, como
não concordo com o discurso vigente, ouso dizer, a contragosto de muitos, que o
nada nada critica, simplesmente porque o nada nada é. A famosa criticidade é
produto histórico-social, e, como tal, deve ser aprendida. Os alunos não são
demiurgos. Diferentemente do que nos ensina a Teologia, nada se cria a partir do
nada.
Volto,
mais uma vez, a questão dos partidos políticos, e aqui deixo formalmente minha
segunda crítica voluntária: o Partido dos Trabalhadores (PT) em Guarulhos-SP,
no que diz respeito à educação, tem contribuído, em parte, para com as
desigualdades sociais, pelo menos é isso que vejo no panorama da educação. Privar
as crianças do conhecimento é um ato político.
Sem
dúvida alguma, Paulo Freire contribuiu imensamente para com a educação como um
todo, mas sua teoria sobre a educação bancária, a meu ver, permite uma leitura
que, seguida à risca, leva ao esvaziamento da escola. É óbvio que a mera
transmissão de conteúdos de pouco nos vale, o que não significa o abandono
radical da instrução, caso contrário abandonemos o projeto de escola.
Destaco,
ainda, as manifestações de junho de 2013, e o grito do “Gigante”, entre outras
coisas, por educação padrão FIFA. É
bom saber que não estamos sós.
Por
fim, saliento que conheço a proposta pedagógica da rede de Guarulhos e os Referenciais Curriculares Nacionais Para a
Educação Infantil, e se somos realmente críticos, ativos e agentes da
transformação, e já que a LDBEN no artigo 3º, nos seus incisos II e III, nos
assevera a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o
pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, acredito ser possível repensar o
problema que aqui expus, a fim de buscar solucioná-lo, não para satisfação e
regozijo do meu ego, mas para se reparar o grande mal que vem se cometendo na
educação pública de nosso município.
Subscrevo-me
com os melhores cumprimentos.
Edvaldo
dos Reis.