segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

AO SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS-SP


Educar é um ato político. Talvez esta não seja a melhor maneira de se começar um texto cujo destinatário é nada menos que o Secretário de Educação, pois, como se vê, descumpro a formalidade exigida para tal ocasião. No entanto, já que esta máxima freiriana – tão clichê, por sinal – introduz perfeitamente o assunto que me proponho a discutir, mantenho-a e ouso repeti-la adiante: como o Sr. mesmo sabe, professor Moacir de Souza, educar é um ato político.
Antes de tudo, permita-me uma breve apresentação de minha pessoa: meu nome é Edvaldo dos Reis, tenho 22 anos, sou formado em Pedagogia, já fui estagiário do Centro de Incentivo à Leitura (CIL) no CEU Ottawa-Uirapuru, atualmente curso Ciências Sociais e em breve ingressarei na rede municipal de Guarulhos-SP (como professor de Educação Básica).
Há algum tempo, desde o período em que estagiei em uma escola da Prefeitura de Guarulhos, a educação Infantil e Fundamental I, no município em questão, vem me preocupando bastante, principalmente quando lembro que todo o meu estágio foi realizado em uma escola localizada no Centro deste mesmo município, em outras palavras, não era propriamente uma escola periférica (sem aspas e sem eufemismo). Contudo, até ontem o meu “queijo” não havia sido mexido; hoje, porém, tudo mudou, e o que era apenas uma preocupação, tornou-se efetivamente um problema.
Para ser mais específico, exponho aqui o meu caso em particular, que infelizmente não é um caso único muito menos isolado, portanto, é um problema público: hoje, dia 03 de fevereiro de 2014, na primeira reunião de pais e mestres, a professora de minha sobrinha (de cinco anos de idade) falou que não haverá atividades extraescolares e as atividades intraescolares serão muito poucas, as quais se restringirão à aprendizagem do nome próprio de cada criança (leia-se aluno) e as “letrinhas” do alfabeto. No entanto, a mesma professora “despreocupou” os pais: “haverá muitas brincadeiras: temos três caixas de brinquedos e um tanque de areia”, informou-nos ela.
Antes de eu prosseguir com a minha argumentação, afirmo, desde já, que não tenho nada contra a ludicidade na Educação Infantil; muito pelo contrário, estou ciente dos benefícios que os jogos e as brincadeiras em geral desempenham no desenvolvimento psicomotor das crianças e de sua importância no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, aqui vai voluntariamente a minha primeira crítica maiêutica no texto em pauta: só? Serão duzentos (200) dias letivos brincando? Não haverá conteúdo? Apenas brincar, brincar e brincar?
Eu gostaria muito de estar redigindo esta mensagem com o intuito de cobrar qualidade na educação, mas, veja bem, Sr. Secretário, estou falando apenas de ensino, ou melhor, da falta deste; em outras palavras, estou problematizando o ensino básico, o elementar, o mínimo esperado para crianças que se encontram matriculadas no Estágio II.
No que diz respeito às atividades propostas pela professora, convém eu destacar que minha sobrinha aprendeu a escrever seu nome aos três anos de idade e que ela já conhece todo o alfabeto, ou seja, do ponto de vista intelectual e cognitivo, parece que este ano não terá mais nada a aprender, uma vez que o conteúdo programático fora resumido ao que falei há pouco. Acredito que as outras crianças também já saibam grafar seu nome e conheçam muito bem o abecedário (a Galinha Pintadinha, por seu turno, é mestra em ensinar isto). Entretanto, a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nos obriga a matriculá-la, então, cumpra-se a Lei ou saberemos o peso da espada da Justiça, que por sinal nada vê atrás da venda que cimentaram em seus olhos.
Como disse na introdução, educar é um ato político. Brincar também. E este “brincar” não interessa apenas às crianças, que gostam muito, por sinal. Interessa, sobretudo, a classe dominante. A famosa burguesia. A quem interessa a sonegação do conhecimento? A quem interessa a privatização do saber? A quem interessa a reprodução classista? Sem dúvida educar é um ato político. E brincar é mais ainda.
Um partido realmente de esquerda está ciente disto. Um partido verdadeiramente de esquerda jamais entregará a educação nas mãos dos pós-modernos. Um partido de esquerda consciente do seu papel para com a classe trabalhadora educará os filhos desta classe. A direita, por vez, permite oficialmente a dualidade pedagógica, isto é, a existência de dois grandes modelos de ensino: a escola do rico e a do pobre, como nos diz o professor José Carlos Libâneo, em seu artigo O dualismo perverso da escola pública brasileira.
O professor Newton Duarte, por sua vez, afirma que, se o socialismo é a socialização da riqueza produzida pela humanidade, logo, uma educação de caráter socialista, socializará o conhecimento, isto é, prezará a transmissão do saber, e ensinará efetivamente os filhos da classe trabalhadora.
Anda em voga, ultimamente, a ideia de “criticidade” do aluno. Arautos, das boas novas, proclamam aos quatro ventos a autonomia do “educando”, o seu papel de agente ativo e “transformador” da realidade social. Eu poderia dissertar páginas e mais páginas a respeito disto, mas deixo tal tarefa aos meus amigos “construtivistas”, que apenas com as palavras revolucionarão a ordem vigente, isto é, modificarão a estrutura no plano da superestrutura. No entanto, como não concordo com o discurso vigente, ouso dizer, a contragosto de muitos, que o nada nada critica, simplesmente porque o nada nada é. A famosa criticidade é produto histórico-social, e, como tal, deve ser aprendida. Os alunos não são demiurgos. Diferentemente do que nos ensina a Teologia, nada se cria a partir do nada.
Volto, mais uma vez, a questão dos partidos políticos, e aqui deixo formalmente minha segunda crítica voluntária: o Partido dos Trabalhadores (PT) em Guarulhos-SP, no que diz respeito à educação, tem contribuído, em parte, para com as desigualdades sociais, pelo menos é isso que vejo no panorama da educação. Privar as crianças do conhecimento é um ato político.  
Sem dúvida alguma, Paulo Freire contribuiu imensamente para com a educação como um todo, mas sua teoria sobre a educação bancária, a meu ver, permite uma leitura que, seguida à risca, leva ao esvaziamento da escola. É óbvio que a mera transmissão de conteúdos de pouco nos vale, o que não significa o abandono radical da instrução, caso contrário abandonemos o projeto de escola.
Destaco, ainda, as manifestações de junho de 2013, e o grito do “Gigante”, entre outras coisas, por educação padrão FIFA. É bom saber que não estamos sós.
Por fim, saliento que conheço a proposta pedagógica da rede de Guarulhos e os Referenciais Curriculares Nacionais Para a Educação Infantil, e se somos realmente críticos, ativos e agentes da transformação, e já que a LDBEN no artigo 3º, nos seus incisos II e III, nos assevera a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, acredito ser possível repensar o problema que aqui expus, a fim de buscar solucioná-lo, não para satisfação e regozijo do meu ego, mas para se reparar o grande mal que vem se cometendo na educação pública de nosso município.
Subscrevo-me com os melhores cumprimentos.


Edvaldo dos Reis.


5 comentários:

  1. Uaaaaaauuuuuuuuuuu... O mundo necessita de mais revolucionários análogos a você...

    Mari

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  2. Muito bom! Admiro a sua coragem. Como você mesmo ressaltou ao longo da carta, se educar é um ato politico, nós enquanto educadores precisamos nos posicionar, não dá pra ficar em cima do muro diante do problema exposto.

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    1. Obrigado pelo carinho. Concordo com você, está mais do que na hora de nos posicionarmos politicamente.
      Abraços...

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  3. Oi Ed,

    eu já escrevi sobre isso, você bem sabe. No entanto, nesse caso há uma dicotomia social entre o brincar e o conhecimento que é preciso esclarecer. E digo social porque se dá em uma determinada sociedade, que é a capitalista e só existe porque na lógica acumulativa do conhecimento é assim que se dá a aprendizagem: acumulando conteúdos progressivamente. E a tentativa de ruptura com essa lógica dentro do mesmo sistema regente, não poderia surtir em nada além de confusão e perda para as crianças envolvidas. Na luta de classes, esse resultado é ainda mais devastador, como você mesmo expõe acima.

    Eu defendo que crianças de 5 anos apenas brinquem. Há uma importância infinita no brincar - e eu sei que você não a desconsidera mas a minha posição talvez seja mais radical - no entanto há de se questionar o que é o brincar para a prefeitura de Guarulhos. Ora bem sabemos da formação dos que ali atuam é medíocre e por isso, essas diretrizes parecem vir de forma idealista, fruto de quem apenas teve o contato com uma teoria, mas não se debruçou a esmiúça-la e entender todas as variáveis que a compõem. Brincar é dotar de significado a vida. Quando uma criança brinca ela constrói os valores, os conhecimentos a medida que também reproduz os valores e conhecimentos da sociedade. É portanto, na infância a forma mais poderosa de formação, seja para uma "emancipação" ou para "adequação" na sociedade. Os "conteúdos" na educação infantil são a forma mais opressora de lhes roubar esse tempo tão precioso de reflexão, que é a brincadeira. Perceba que com isso, não defendo o ócio. Pelo contrário, defendo esse momento como algo dirigido. E para isso, é necessário formação, coisa que o capitalismo não propicia a sociedade.

    E então entramos em uma aporia, o que fazer? Não vejo que a crítica deva ser direcionada ao ato de brincar em detrimento ao conteúdo, mas sim na incapacidade da rede em propiciar brincadeiras dotadas de conteúdo e que não sejam sem si, passatempo. Eu costumo dizer que a educação infantil deve seguir todos os princípios anárquicos, enquanto a educação formal - escolar, os marxistas. Isso porque uma criança criada sobre os princípios de liberdade se tornará ainda mais crítica a ausência dela na sociedade, e mais apta portanto, a entender o processo histórico que nos constitui. É muito vulgar falar assim, mas um dia poderemos debater melhor essa questão.

    Mas no geral concordo com a crítica. Só fiz esse "parênteses" porque nesse debate, não podemos esquecer a enorme diferença que há entre os períodos da infância e as particularidades de cada um deles.

    abçs

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