A alfabetização brasileira e a querela dos métodos
A alfabetização nunca foi tão
discutida, sob a ótica das mais diversificadas áreas do conhecimento, como nas
últimas décadas. Por conseguinte, pode-se afirmar que nunca tal palavra
apresentou tantos conceitos e tantas conotações divergentes como agora. Porém, no
que restringe ao corpo deste artigo, tomar-se-á como objeto de análise apenas as
concepções construtivista e fônica de alfabetização, as quais serão analisadas
à luz da perspectiva científica da sociologia durkheimiana.
A concepção construtivista de
alfabetização tem como seu maior expoente a psicolinguista Emília Ferreiro.
Embasado radicalmente na epistemologia genética de Jean Piaget, A psicogênese da língua escrita é, sem
dúvida, a maior obra da pesquisadora em questão, a qual reflete o cerne do
construtivismo piagetiano: o aluno como o construtor do seu próprio
conhecimento. Até aqui tudo bem, se se levar em consideração que a criança é um
ser ativo, capaz de refletir consciente e voluntariamente, inclusive, sobre as
propriedades da língua. Contudo, se tomarmos como ponto de partida a definição
de alfabetização desta corrente pedagógica, ou melhor, a falta desta, depararemo-nos
com aquilo que em Émile Durkheim pode ser lido como ambiguidades conceituais, o que, por vez, dentro de sua concepção
objetiva de ciência, é totalmente inaceitável. Desse modo, Ferreiro não define
claramente o que seja a alfabetização, ou seja, seu objeto de pesquisa se
mostra um tanto ambíguo, e, quando o faz, isto é, quando busca empreender uma
definição acerca desta, o faz pela via da negação, conceituando-a como aquilo
que ela não é. Assim, sua concepção subjetivista rejeita qualquer método que
pretenda sistematizá-la, haja vista que esta nada mais representa do que uma
construção individual da leitura e da escrita por parte do alfabetizando.
Em contrapartida, pautando-se em uma
metodologia rigorosamente empírica, têm-se, no Brasil, as pesquisas do neuropsicólogo
Fernando Capovilla, um dos maiores defensores do método fônico no país. Diferentemente
de Ferreiro, Capovilla define a alfabetização, em linhas gerais, como o
processo no qual se aprende a ler (decodificar) e a escrever (codificar) –
buscando, para isso, o desenvolvimento da consciência fonológica. Sua concepção
de alfabetização, portanto, está pautada em um método específico, o qual é
reconhecido pela comunidade científica como o mais eficaz em se tratando da
alfabetização, uma vez que tanto a neurociência, quanto a psicologia cognitiva desmistificaram
a ilusão de uma possível leitura global: a visão dos primatas não funciona por
reconhecimento global, pelo contrário, o cérebro humano decodifica traço por
traço, letra por letra.
No entanto, apesar do que foi
discutido acima, as orientações curriculares brasileiras insistem, mediante os
Parâmetros Curriculares Nacionais, em adotar a concepção construtivista de
alfabetização, recusando-se, por assim dizer, a levar em consideração o que
disse Durkheim no segundo prefácio de As
regras do método sociológico: “em matéria de método, nunca se pode fazer mais
do que o provisório, pois ele se modifica à medida que a ciência avança”. Que as
autoridades brasileiras se deem conta do quanto a ciência já avançou em relação
à alfabetização!
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