Tal como pressupõe o
materialismo histórico e a dialética hegeliana, a ciência política, enquanto
disciplina científica, assim como tudo o que é social e, portanto, histórico,
também se move por contradições, quer se passem na esfera científica, quer se
deem na esfera filosófica.
A antropologia por sua vez,
principalmente a antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, desde meados
do século XX já advogava a descoberta segundo a qual o pensamento humano se
organiza e se estrutura mediante a construção de pares dicotômicos, ou seja, a
classificação do mundo à nossa volta só se tornou possível a partir da
elaboração de pares conceituais opostos.
A política, por
conseguinte, não haveria de ficar excluída de tal princípio estrutural, uma vez
que em seu arcabouço conceitual encontram-se várias categorias que funcionam
justamente por pares de oposição, como por exemplo os conceitos de igualdade versus
liberdade (oposição clássica da política como um todo), liberdade positiva versus
liberdade negativa, público versus privado, liberalismo versus
socialismo, indivíduo versus comunidade, mercado versus fórum,
autocracia versus democracia, democracia representativa versus
democracia participativa, ciência política versus filosofia política.
A filosofia política, por
seu turno, sempre ocupou, dentro da política, um papel de destaque e até mesmo
de hegemonia quando comparada a uma ciência estritamente empírica, isto é,
voltada para a observação dos fatos em si e sem preceitos valorativos. Contudo,
como se ressaltou a pouco, a ciência política não é uma área do conhecimento
estática, muito menos a-histórica, e se é nos permitido afirmar, diríamos que a
mesma caminha nos trilhos da dialética, isto é, opera, segundo a definição de
Georg W. F. Hegel, no espírito da contradição organizado. Logo, é de se esperar
que uma ciência política, amparada preponderante na empiria, fizesse o
contraponto e negasse os preceitos norteadores da filosofia política: eis, pois,
a antítese cristalizada nos trabalhos de Robert Michels e Joseph Schumpeter.
Embora partindo de objetos
analíticos distintos, tanto Michels quanto Schumpeter se debruçaram sobre a
problemática do regime democrático, buscando contemplá-lo não a partir de
axiomas filosóficos, mas, sobretudo, por meio da análise do concreto, como
dizia Karl Marx. Para eles, a democracia não precisa ser educada muito menos é
uma providência divina, tal qual pensava Alexis de Tocqueville, também não é
uma forma de governo do povo, pelo povo e para o povo, como presumia Abraham
Lincoln, e sim mais um meio, dentre outros, de gerir a burocracia estatal.
Em sua obra Sociologia
dos partidos políticos Michels se defronta com aquilo que se configura como
eletismo democrático, o que, em linhas gerais, nada mais é do que a
oligarquização dos partidos ao chegarem à gerência do Estado, inclusive os de
esquerda.
Para tanto, o mesmo analisa
a conjuntura política de seu período, em especial o Partido Socialdemocrata da
Alemanha (SPD), e a partir de tal análise, formula a sua famosa lei de bronze
da oligarquia, também conhecida como lei de ferro.
Essa lei da necessidade
histórica da oligarquia se funda numa série de fatos fornecidos pela
experiência. Assim, de acordo com Michels, na base conservadora da organização
dos partidos já se encontra tendências oligárquicas, isto é, toda organização
partidária representa uma potência oligárquica repousada sobre uma base
democrática. Vê-se, pois, que "a organização é a fonte de onde nasce a dominação
dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos
delegados sobre os que delegam. Quem diz organização, diz oligarquia"
(MICHELS, 1982, p. 238).
Por esse viés, nota-se que
a sua concepção de democracia em nada se relaciona com pressupostos normativos,
muito menos a encara sob o ângulo da participação popular, aliás, como também
ressalta o autor, a participação ativa das massas tende a desembocar em
governos totalitários, como é o caso do nazismo alemão e o fascismo italiano.
O trabalho de Schumpeter,
por outro lado, traz à luz a concepção de que a democracia nada mais é do que
do que um método, uma forma de mediar os interesses da esfera política.
Segundo ele a democracia
opera tal como a lógica do mercado, em uma espécie de laissez-faire da
vida política, no qual os candidatos a cargos públicos se vendem e se competem
entre si. Contudo, em tal mercado não se encontra presente a famosa mão
invisível teorizada por Adam Smith, haja vista que o papel do método
democrático, enquanto sistema institucional, é o de justamente regular e mediar
tal comércio.
Em Capitalismo,
socialismo e democracia Schumpeter põe à prova a doutrina clássica da
filosofia, criticando valores como o bem comum e a vontade geral. Como não é
possível saber qual é a vontade geral do povo muito menos seguir o farol
orientador da política, ou seja, o bem comum, uma vez que ele não existe, dada
a pluralidade de valores do gênero humano, o autor em questão afirma ser essa
concepção democrática irrealista, fundada em princípios simplesmente
valorativos, não levando em consideração a realidade empírica.
Ainda no que concerne a
problemática da vontade geral, é válido sublinhar que, segundo Schumpeter, há o
perigo de grupos expoentes de interesses econômicos explorar, moldar e até
mesmo criar a vontade coletiva, tendo em vista que, na análise empírica dos
processos políticos, constatou-se que não há uma vontade geral essencialmente
genuína, e sim uma vontade artificialmente fabricada.
De acordo com sua
concepção, portanto, a democracia pode ser pensada como um método democrático,
e este, entendido como um sistema institucional que orienta a tomada das
decisões políticas, a partir do qual o indivíduo adquire o poder de decidir
mediante uma luta competitiva pelos votos dos eleitores.
Vimos, assim, o quão
contrastante são os conceitos e as análises de Michels e Schumpeter com relação
aos trabalhos dos filósofos políticos, o que os coloca, por exemplo, dentro da nossa
leitura dialética, na posição de antítese, ou seja, a radicalização da negação
de preceitos normativos e valorativos no âmbito da ciência política. Contudo,
convém ressaltar, por fim, que a discussão da participação política e da
democracia em geral não se finda por aqui, e, portanto, não seria coerente procurar
extrair uma síntese a partir dos autores aqui problematizados, dado a limitação
do referencial teórico aqui ensaiado.
Referência:
MICHELS, R. Sociologia dos partidos
políticos. Brasília: Editora da UnB, 1982.
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