sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A DEMOCRACIA EM MICHELS E SCHUMPETER: ESBOÇOS DE UMA LEITURA DIALÉTICA


Tal como pressupõe o materialismo histórico e a dialética hegeliana, a ciência política, enquanto disciplina científica, assim como tudo o que é social e, portanto, histórico, também se move por contradições, quer se passem na esfera científica, quer se deem na esfera filosófica.
A antropologia por sua vez, principalmente a antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, desde meados do século XX já advogava a descoberta segundo a qual o pensamento humano se organiza e se estrutura mediante a construção de pares dicotômicos, ou seja, a classificação do mundo à nossa volta só se tornou possível a partir da elaboração de pares conceituais opostos.
A política, por conseguinte, não haveria de ficar excluída de tal princípio estrutural, uma vez que em seu arcabouço conceitual encontram-se várias categorias que funcionam justamente por pares de oposição, como por exemplo os conceitos de igualdade versus liberdade (oposição clássica da política como um todo), liberdade positiva versus liberdade negativa, público versus privado, liberalismo versus socialismo, indivíduo versus comunidade, mercado versus fórum, autocracia versus democracia, democracia representativa versus democracia participativa, ciência política versus filosofia política.
A filosofia política, por seu turno, sempre ocupou, dentro da política, um papel de destaque e até mesmo de hegemonia quando comparada a uma ciência estritamente empírica, isto é, voltada para a observação dos fatos em si e sem preceitos valorativos. Contudo, como se ressaltou a pouco, a ciência política não é uma área do conhecimento estática, muito menos a-histórica, e se é nos permitido afirmar, diríamos que a mesma caminha nos trilhos da dialética, isto é, opera, segundo a definição de Georg W. F. Hegel, no espírito da contradição organizado. Logo, é de se esperar que uma ciência política, amparada preponderante na empiria, fizesse o contraponto e negasse os preceitos norteadores da filosofia política: eis, pois, a antítese cristalizada nos trabalhos de Robert Michels e Joseph Schumpeter.
Embora partindo de objetos analíticos distintos, tanto Michels quanto Schumpeter se debruçaram sobre a problemática do regime democrático, buscando contemplá-lo não a partir de axiomas filosóficos, mas, sobretudo, por meio da análise do concreto, como dizia Karl Marx. Para eles, a democracia não precisa ser educada muito menos é uma providência divina, tal qual pensava Alexis de Tocqueville, também não é uma forma de governo do povo, pelo povo e para o povo, como presumia Abraham Lincoln, e sim mais um meio, dentre outros, de gerir a burocracia estatal.
Em sua obra Sociologia dos partidos políticos Michels se defronta com aquilo que se configura como eletismo democrático, o que, em linhas gerais, nada mais é do que a oligarquização dos partidos ao chegarem à gerência do Estado, inclusive os de esquerda.
Para tanto, o mesmo analisa a conjuntura política de seu período, em especial o Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD), e a partir de tal análise, formula a sua famosa lei de bronze da oligarquia, também conhecida como lei de ferro.
Essa lei da necessidade histórica da oligarquia se funda numa série de fatos fornecidos pela experiência. Assim, de acordo com Michels, na base conservadora da organização dos partidos já se encontra tendências oligárquicas, isto é, toda organização partidária representa uma potência oligárquica repousada sobre uma base democrática. Vê-se, pois, que "a organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que delegam. Quem diz organização, diz oligarquia" (MICHELS, 1982, p. 238).
Por esse viés, nota-se que a sua concepção de democracia em nada se relaciona com pressupostos normativos, muito menos a encara sob o ângulo da participação popular, aliás, como também ressalta o autor, a participação ativa das massas tende a desembocar em governos totalitários, como é o caso do nazismo alemão e o fascismo italiano.
O trabalho de Schumpeter, por outro lado, traz à luz a concepção de que a democracia nada mais é do que do que um método, uma forma de mediar os interesses da esfera política.
Segundo ele a democracia opera tal como a lógica do mercado, em uma espécie de laissez-faire da vida política, no qual os candidatos a cargos públicos se vendem e se competem entre si. Contudo, em tal mercado não se encontra presente a famosa mão invisível teorizada por Adam Smith, haja vista que o papel do método democrático, enquanto sistema institucional, é o de justamente regular e mediar tal comércio.
Em Capitalismo, socialismo e democracia Schumpeter põe à prova a doutrina clássica da filosofia, criticando valores como o bem comum e a vontade geral. Como não é possível saber qual é a vontade geral do povo muito menos seguir o farol orientador da política, ou seja, o bem comum, uma vez que ele não existe, dada a pluralidade de valores do gênero humano, o autor em questão afirma ser essa concepção democrática irrealista, fundada em princípios simplesmente valorativos, não levando em consideração a realidade empírica.
Ainda no que concerne a problemática da vontade geral, é válido sublinhar que, segundo Schumpeter, há o perigo de grupos expoentes de interesses econômicos explorar, moldar e até mesmo criar a vontade coletiva, tendo em vista que, na análise empírica dos processos políticos, constatou-se que não há uma vontade geral essencialmente genuína, e sim uma vontade artificialmente fabricada.
De acordo com sua concepção, portanto, a democracia pode ser pensada como um método democrático, e este, entendido como um sistema institucional que orienta a tomada das decisões políticas, a partir do qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos dos eleitores.
Vimos, assim, o quão contrastante são os conceitos e as análises de Michels e Schumpeter com relação aos trabalhos dos filósofos políticos, o que os coloca, por exemplo, dentro da nossa leitura dialética, na posição de antítese, ou seja, a radicalização da negação de preceitos normativos e valorativos no âmbito da ciência política. Contudo, convém ressaltar, por fim, que a discussão da participação política e da democracia em geral não se finda por aqui, e, portanto, não seria coerente procurar extrair uma síntese a partir dos autores aqui problematizados, dado a limitação do referencial teórico aqui ensaiado.


Referência: 

MICHELS, R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: Editora da UnB, 1982.


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