quarta-feira, 16 de novembro de 2011

CARTA PARA UM ESTAGIÁRIO DA EDUCAÇÃO

            Querido estagiário, hoje, após ter faltado energia elétrica em toda a escola por conta da chuva, nós, do corpo docente, juntamente com a direção e com a coordenação, optamos por suspender as aulas do período vespertino. Portanto, hoje você tem a tarde inteira para dar início à parte burocrática do seu estágio, no qual você poderá começar a escrever o seu relatório que é exigência obrigatória, como você mesmo me falou, para a obtenção de nota parcial para a graduação do seu curso.
            Creio que você deve estar um pouco temeroso já que eu não vou estar aí para te orientar, mais ou menos, neste processo. Porém, desde já eu quero te dizer que não precisa temer nada, pois o projeto político-pedagógico (PPP) irá lhe nortear, e caso haja alguma questão em que o projeto da escola não aborde, você poderá tirar dúvidas com a secretária ou com a própria coordenadora da escola – já que a mesma permanecerá nesta instituição até as cinco da tarde.
            Pois bem..., peça a coordenadora para lhe entregar o PPP da escola e diga a ela, antes de tudo, que você irá ter todo o cuidado – ela não gosta de emprestar o “Livro Sagrado” da escola sem antes escutar, da pessoa que recorre a ele, um juramento de comprometimento que visa à integridade física desta obra.
            Querido estagiário, antes de você ir buscá-lo, quero alerta-lhe para algumas surpresas que você certamente se deparará, por isso, para você não perder a esperança na educação, já que a realidade da sala de aula é bem diferente da pregada na “bíblia escolar”, vai aqui algumas dicas: pegue dentro do meu armário um frasco de maionese decorado com um desenho de uma menina segurando um ramo de flores cor-de-rosa, nele está o algodão em que te será muito útil; depois pegue o álcool que fica no mesmo compartimento e, após isso, umedeça uma boa parte do algodão com o álcool que lhe servirá, improvisadamente, de “leite de colônia”; feito tudo isso, é hora da higienização...
            Pegue o projeto político-pedagógico da escola e, com muita delicadeza – lembre-se sempre de ser delicado! –, comece a retirar a maquiagem que fora, hipocritamente, impregnada na educação por meio de palavras belas e utópicas. O trabalho não será fácil, pelo contrário, será árduo, às vezes irá parecer até impossível, já que a maquiagem fora tão bem aplicada, mas seja persistente e delicado – não se esqueça de ser delicado! –, pois aos poucos o pó compacto, o blush, a base, a sombra e o brilho labial irão sair e revelarão a verdadeira face da educação.
Lembre-se que o brilho labial é um dos itens mais importantes a ser removido justamente por comprometer o sorriso da educação, e este costuma enganar os que se apegam à cor, brilho e consistência. Entretanto você, com toda a certeza, não conseguirá fazer toda a remoção do lápis de olho e do rímel que, sequencialmente, dão destaque, artificialmente, aos olhos e aos cílios do nosso ensino. Contudo, tente remover, o máximo possível, a maquiagem encontrada nesse rosto inocentemente pintado, e caso precise de mais algodão, há mais alguns pacotes no almoxarifado.
Espero que as minhas dicas lhe sejam úteis e que você as siga, passo a passo, como eu te recomendei. Não acredite em todas as palavras belas e ludibriantes presentes no nécessaire de toalete educacional e lembre-se sempre que a educação está maquiada.
Querido estagiário, por favor, peço-lhe que não ignore estas palavras aqui presentes, para que não venha a ser mais tarde, igualmente a mim, um educador maquiado e maquiavélico: digo-te isso porque eu sei o quanto é pesada e visguenta a máscara que o meu comodismo me obrigou a usar.
Atenciosamente, mais um educador maquiado.

2 comentários:

  1. Oi Ed, boa tarde,

    É com certo temor que vejo em suas palavras a magnitude do que teremos à enfrentar, neste arduo caminho, rumo à "demaquilação" da educação. Digo temor, mas por de fato acreditar que o trabalho será deveras intenso. Porém, não me acovardaria jamais, pois sei que durante o percurso, irei encontrar pessoas com uma sublime disposição para transformações, dentre as quais alguém com forças e sabedorias de Grandes Reis.

    Roberta Galdino

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  2. É verdade, Roberta, os problemas são e serão muitos, chegando mesmo a parecerem, aos nossos limitados olhos, invencíveis e irresolúveis. Contudo sempre é bom pensarmos e agirmos com otimismo, pois talvez seja o otimismo muito mais que uma simples válvula de escape da nossa triste realidade, mas a entrada no mundo onde a esperança na educação faz toda a diferença.
    Obrigado pelo carinho e pelo comentário.

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Assim que eu ler o seu comentário, responderei-o imediatamente. Grato pelo carinho.