domingo, 29 de agosto de 2010

Não duvide das minhas asas

Eu te amei em um tempo que se foi;
Em um tempo em que éramos mais que amantes;
Em um tempo em que a amizade se confundia com o amor;
Em um tempo em que tudo entre nós era permitido...
Eu te amei sem saber direito o que era amar,
Mas talvez se soubesse não seria amor,
Simplesmente porque amor mais sabedoria é igual a filosofia,
E filosofar eu só aprendi depois que esse tempo passou.
Eu te amei com toda sinceridade de um amigo;
Eu te amei quando o meu coração ainda estava virgem,
E tu, sem nenhum escrúpulo, penetraste nele e o deixaste sangrando.
Eu te amei sem me importar com o futuro;
Eu te amei sem me recordar o passado;
Eu te amava mais a cada dia, a cada hora,
E me esqueci que tudo o que começa errado tem a hora certa para acabar.
Mas será que amar é mesmo um ato errôneo?
Não sei, o que sei é que deixei o meu relógio parado, não me lembrava que era necessário trocar a pilha...
Mas o tempo não se esqueceu de absolutamente nada,
E nem por isso ele deixou de correr.
Sim, o tempo correu...
Correu por uma estrada sem se quer deixar rastros,
Talvez porque o tempo não tenha pés,
Talvez porque o tempo tenha asas.
Não, eu juro que eu não sei por onde ele correu,
Mas para que eu haveria de saber?
Sim, eu te amei durante todo esse tempo,
E nesse tempo todo eu só sei direito que eu te amei.
Mas eu aprendi algo muito importante com o tempo...
Um dia ele veio até mim e disse:

– Então tu não sabes que sou eu quem rege o universo? Tu não sabes que eu controlo tudo? Quem é que permite que as feridas sejam abertas? Quem é que as cicatrizam? Quem é que permite o tempo de estiagem e o de chuva? Quem é – se não eu – o maior de todos os sábios? Ah, coitado dos homens... Eles pensam que podem me prender nas suas ampulhetas e nos seus diversos relógios... Engana-se que pensar que pode me conter: eu sou livre.


Aquela conversa, apesar de interessante, já estava me deixando sem tempo, porque eu não sabia quanto tempo já tinha demorado o nosso diálogo. Mas o tempo, muito sábio, percebeu a minha aflição e logo me respondeu:


– Tenho que ir: há muito a fazer, há muito a ser feito. Tenta aprender o meu aprendizado e tenta esquecer um pouco o passado. Tu tens um futuro pela frente e não deves jamais desperdiçar o presente. Em breve nos cruzaremos novamente, porque eu estou te esperando lá adiante... Tenta ser como eu: livre.


E ele se foi, mas não como foi o meu amor, porque o tempo se despediu, o meu amor, não.
O tempo se foi por um caminho que eu não sei aonde vai dar...
O meu amor seguiu um caminho que eu jamais seria capaz de seguir.
Mas sigo também na estrada a procura do tempo,
Mas não andando: eu também aprendi a voar!
Eu tenho voado por cima das minhas dores,
Eu tenho ultrapassado os meus próprios limites,
Mas falta-me ainda a liberdade...
Você pode duvidar de tudo: de mim, do meu amor, do tempo, da nossa conversa, dos caminhos... Mas não duvide do poder das minhas asas.
Ado Reis

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