domingo, 27 de janeiro de 2013

A VOZ DA ANTA MARXISTA


Quem não tem preferência e opinião política geralmente possui a costumeira mania ingênua, porém patológica, de acompanhar a maioria. E quem diz que a maioria é a voz de Deus é porque aprendeu a traduzir o silêncio como vontade dos céus. Em outras palavras, o conservadorismo da religião continua sendo, mesmo que involuntário e inconscientemente, o braço direito da direita; embora, para converter o seu rebanho, incorpore em seu seio vestígios do discurso da esquerda. Mas tudo o que eu disse aqui não tem nenhuma importância analítica: afinal são apenas palavras de uma anta marxista que resolveu falar de política.

sábado, 19 de janeiro de 2013

DESTINO ÚLTIMO


Deus está morto,
Nietzsche está morto
E um dia também estarei.
Porque a morte,
Quer fujamos,
Quer nos entreguemos antecipadamente,
É o destino último de todos nós.

MALUQUICE

Para Jéssica, a Alice anarquista.

Às vezes penso que estou ficando louco. Na verdade, acredito que estou enlouquecendo. Devagarzinho, paulatinamente, aos poucos vou tomando, a cada dia que passa, uma dose de loucura, no Bar da Insanidade.
Só a loucura é capaz de explicar, nesse preciso momento, a esquizofrenia diária na qual estou adentrando: vejo todos ao meu redor dentro da pós-modernidade, brindando e curtindo as coisas boas que a vida desregrada oferece aos seus; e eu, aqui, parado, anestesiado, digladiando comigo mesmo para finalmente sair da Idade Média e pisar os solos do Iluminismo; todos malhando o corpo, brincando com o neoliberalismo, apostando suas fichas no efêmero, venerando o monossílabo musical (“tchê tchê” e “tchu tchá”)..., e eu, irracionalmente, com a cabeça mergulhada nos livros, debatendo política com outros loucos que restaram, escutando MPB.
Agora vou lá, no bar que lhe falei, encontrar-me com Alice, a Lebre de Março e o Chapeleiro  Maluco para tomarmos um conhaque de palavras que aquieta os nossos nervos e nos embebeda de poesia. Estou enlouquecendo...

SAUDAÇÃO À LOUCURA


Em verdade e em loucura eu afirmo: só existe a loucura. Somente a loucura é essencialmente verdadeira. O restante são apenas projeções ínfimas de alucinações mal-lapidadas.
Mas a loucura? Ah, a loucura... Tão amoral e isenta de hipocrisia! Tão leve e escorregadia! Só ela, dos sentimentos humanos, se encontra em estado bruto.
Quem ousará explorá-la? Eu não ousaria.

sábado, 12 de janeiro de 2013

SE O CORAÇÃO PENSASSE


Abrir-te os portões para o mundo
E tu trancafiaste as portas do meu,
E eu dormia o meu sonho profundo
Quando me acordaste para o adeus.

E o coração já sabendo da partida,
Mas sem saber direito qual direção,
Partiu sem se quer pensar na vida,
Mas se pensasse não seria coração.

E seguiu sem saber para onde seguir,
E bem lá na frente ele descobriu
Que quando não se sabe para onde ir
Até um oásis pode se tornar vil.

Mas foi na vileza daquele deserto
Que um castelo ele construiu,
Para abrigar seus sonhos incertos
E esvaziar o seu coração vazio.

E trancou os seus sonhos no castelo
Para que ninguém pudesse ver,
Mas sob uma parte do solo amarelo
Há uma chave de grande poder.

E essa chave pode revelar a cilada
Que vem regendo mais de uma vida,
E quem encontrar a chave enterrada,
Encontrará a verdade escondida.

Mas a verdade escondida é algo fútil
Como uma porta que não tem tranca,
Mas a porta do meu castelo é útil
Porque guarda sonhos de infância.

E sonhando é possível voar,
Mas isso Deus não nos permitiu.
Então, para que precisamos sonhar
Se voar Deus não nos consentiu?

“Bem-aventurado quem sonha acordado,
Porque esse jamais enganará o coração”,
Creio que Jesus deveria ter acrescentado
Mais esse ensinamento no seu sermão.

Eu também deveria ter deixado
Mais outra coisa no meu porão,
Mas sem isso eu seria um malvado
A torturar o meu próprio coração.

E o meu coração que era fraco,
Em fortaleza se transformou,
Guardando o nome de um frasco
Que cujo perfume o vento levou.

E se aquele perfume voltasse
Em outro frasco eu o guardaria,
Mas se o meu coração pensasse...,
Ah, errado bem pouco eu teria!

SEM NOME


Um dia frio,
Cheio de pessoas mais frias que o dia,
De mãos e pés frios,
De corações e mentes geladas.
Porém, algo está quente,
Algo que eu não sei bem o que é,
Mas sei que permanece quente.
E dentro de mim, algo ferve;
Algo borbulha e me aquece;
Algo que eu sei o porquê,
Mas ainda não posso dizer o nome.

A MAGIA DE CHRONOS


Se o tempo transforma lagartas em borboletas, carbono em diamante, patinhos feios em lindos cisnes..., o que ele não é capaz de fazer conosco?

BÁSICO


Dinheiro? Não tenho.
Felicidade? Muito menos...
Amor? Só de remendos!

ÍCARO

Dedico este poema à Neta.
 Em memória de Ícaro. 



Através da janela eu via, ouvia, sentia.
Através da janela eu olhava, observava, chorava.
Através da janela eu sentia, compreendia, sofria.
Através da janela eu calava, arfava, orava.

Lavei-a com minhas lágrimas naquele dia,
Depois a sequei com o meu silêncio que falava,
E ele falava de uma louca chamada Nostalgia
Que fugira do manicômio que a atormentava.

Que triste destino é o dela que morrendo, vivia;
Bem parecido com o da mãe que em silêncio, gritava.
Sim, ela gritava para não escutar o silêncio que a afligia,
E o seu grito mudo, não tão mudo assim, me incomodava.

Através da janela as suas lágrimas me entristeciam;
Aquelas lágrimas de mãe órfã era um banho que a vida lhe dava.
Mas desse banho ninguém quer tomar, ela também não queria,
Mas a vida não lhe perguntou se queria, e no mar de lágrimas ela mergulhava.

Sem querer, mergulhei também em seu dilúvio por muitos e muitos dias,
E naquela chuva de lágrimas eu vi que a sua dor aos poucos se amenizava,
E quando passa a chuva, logo nasce um arco-íris trazendo de volta a alegria,
Uma alegria diferente da que já provara, mas isso aos poucos lhe confortava.

Nunca mais tornei a passar por aquela triste janela,
Que me serviu de óculos para a minha miopia,
Mas sei que o sal dos meus olhos de solidificou nela
E ainda traz marcas daquele marcável dia.

E aqui estou eu trazendo-lhe minha poesia,
A qual não sabe um terço do que a vida lhe fez passar,
Mas abrace-a como o seu filho lhe abraçaria,
Com um daqueles abraços que só os filhos sabem dar.

COM APENAS UMA BALA


Um salto...
Um asfalto...
Um assalto...
Um ato...
Um grito alto...
Silêncio profundo.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SE OS ANIMAIS FOSSEM HOMENS


Em memória de Brecht e Baudelaire.

Se os animais fossem homens, eles criariam para si a imagem de um deus animalizado, e a esculpiria, além de no inconsciente animal, tanto no bronze quanto no barro.
Também haveriam de criar, por conseguinte, evangelhos e dogmas mórbidos, talvez até profecias apocalípticas e hinários, mas com toda a certeza, mandamentos vários.
Ainda teriam aqueles que sairiam pelas ruas pregando a verdade universal e imutável do deus-anta, do deus-cão, do deus-porco ou quem sabe do deus-macaco. Mas se os animais fossem homens, provavelmente elegeriam o leão como o seu representante divino, por este melhor justificar seu asco.
Se os animais fossem homens, eles perseguiriam outros animais, inclusive de sua própria espécie, que recusassem a sua profissão de fé. Para evitar futuras crises céticas, catequizariam os pequenos, tão ingênuos!
Por meio da promessa de uma segunda vida paradisíaca, ou o que é pior, pelo medo da punição ígnea em outro plano, converteriam-se, à sua ortodoxia religiosa, os animais mais carentes de razão.
É claro que não haveria de faltar o dízimo celestial, tão animal!
Se os animais fossem homens, mártires necessitariam de ser criados, e seus nomes habitariam os mais variados compêndios históricos, ao lado de uma possível Inquisição, Reforma e Contra-reforma.
Se os animais fossem homens, a imaginação governaria o mundo.