sábado, 29 de setembro de 2012

ENTRE A CANETA E A ENXADA


Por muito tempo pensei que a enxada pesava mais que a caneta, e enganava-me ao negar o fato, fisicamente impossível, de que a caneta, por ser mais leve, pesa mais que a enxada. Hoje não mais me engano. Mas sei que o peso que casamenteia a enxada com a terra sustenta a relação extraconjugal entre o luxo e a caneta, embora o coração daqueles que erguem a caneta não reconheça a cálida nobreza que brota das mãos calejadas que seguram a enxada.
Entre os limites que separam o Nordeste e Brasília há muito mais que linhas superficiais traçadas e “pixelizadas nos GPSs e nos mapas: há canetas, enxadas, salas climatizadas no Planalto e o suor escaldante que nasce dos trinta e oito graus Celsius do sertão e da chapada.
A caneta ceifa florestas, capina sonhos e pavimenta a hierarquização. A enxada escreve palavras, descreve veredictos e prescreve a sua própria condição. O suor pinta o PIB, desenha estatísticas e colore a bandeira. A bandeira ornamenta o Senado, a Câmara dos Deputados e a televisão brasileira. O retorno de Collor à política mostra as cores dos mandachuvas. O Nordeste precisa de chuva. Brasília lava roupas-sujas na CPI do Cachoeira.
Há uma linha tênue, não localizada pela rosa dos ventos, que separa a concretude do voto do ilusionismo da urna eletrônica. Há traços indeléveis, invisíveis à cartografia, que apartam emblemas políticos de políticas públicas.
O povo clama. Os clamores reclamam. Os mais otimistas se atiram no precipício da ilusão. Escândalos políticos vêm à tona. Com o tempo, a mídia abafa. Denúncias de corrupção dão lugar aos holofotes do Criança Esperança. Crianças esperam os afagos sinceros dos candidatos à eleição. Mais uma criação do Bolsa-Sei-Lá-O-Quê ganha repercussão na pauta da ONU. Manchetes salientam: país rico é país sem pobreza. Suposta epidemia de osteoporose, desconhecida até o momento pela comunidade ortopédica, invade a Explanada dos Ministérios e derruba ministros. Políticos prometem.
Conferências não dão em nada. Promessas também não. Quantas mentirinhas serão contadas na Comissão da Verdade? Finalmente o lema progressista está desordenado. A minha pobre lógica pergunta: onde foi parar a ordem e o progresso além de no centro da bandeira hasteada no Congresso? O Yahoo! e o Google não a responde. O parlamento também não.
Mas com a mão sobre o peito esquerdo – a mesma que segura a caneta, assina vidas e assassina papéis –, tudo fica bem no final, já que as lágrimas rolam ao entoarem, todos juntos e em tom patriótico, o Hino Nacional. E depois do salve, salve, blá-blá-blá, (...) pátria amada, Brasil!, eles enxugam as lágrimas, batem palmas – comemorando, talvez, mais uma vitória hereditária – e tudo volta ao seu normal. Quanto às leis da física e da gravidade que regem a política, resta-nos, como esquiva patológica e conformista, darmos risada: como pode a caneta pesar mais que a enxada?

6 comentários:

  1. Texto bem reflexivo de como o Brasil funciona. Você foi bem poético em explicar a política brasileira. Sempre hipócrita e mentirosa.

    Abraços!

    ps: até q enfim eu conseguir mandar uma mensagem. já descobri o que era. o Chrome bloqueia alguns comentários em blogs. daí tou usando outro navegador.

    ResponderExcluir
  2. essi blogue e di mais e muito masssssa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelo carinho. É uma honra tê-lo (a) aqui em meu blog.
      Abraço...

      Excluir

Assim que eu ler o seu comentário, responderei-o imediatamente. Grato pelo carinho.