– Eu sempre temi os palhaços, tanto que, uma vez, quando eu
tinha seis anos de idade, um bando deles foi visitar a escola onde eu
estudava, e ao vê-los, com aquele sorriso cínico e forçado nos lábios, corri
para dentro do banheiro e me tranquei. Depois de um tempo, ao ter a absoluta
convicção de que eles haviam ido embora, sai. Foi depois disso, eu acho, que o
banheiro, para mim, passou a representar uma fortaleza, minha segurança.
– Mas quando estávamos na quinta série você não me temia.
– Naquele tempo você ainda não era um palhaço integral. A
mutação ainda não havia ocorrido plenamente, você não passava de um protótipo,
apenas.
– Você é louco! Está vendo algum sorriso cínico, pintado de
guache, em meus lábios?
– Não nos lábios. Você o tatuou em seus olhos. Seus olhos são
duas bocas que me deixam em alerta. São dois sorrisos escandalosos que riem de
mim e me fazem entrar em pane.
– Está com medo?
– Um pouco.
– Mas você não os temia quando eu lhe beijava.
– Porque você fechava as bocas dos olhos. Você cerrava os
olhos das bocas.
– E por que se entregava a mim?
– Nem só as mulheres se entregam por medo.
– Ah, medo! Então é isso..., medo! Está sentindo medo agora?
– Agora não mais.
– Por quê? Ora, eu vou te beijar a força!
– Por isso mesmo...
– Não entendi.
– Quando você me beija, fecham-se, dentro de você, dois
calabouços repletos de monstros, os quais sempre estão a sorrir cinicamente
para mim.
– Meus olhos não são bonitos?
– Os mais lindos do mundo!
– Então...?
– Então...
– Acho que você deveria procurar um psicólogo, essa sua neura
não é normal.
– Não tenho coragem, todos que conheço possuem sorrisos psicanalíticos
camuflados no inconsciente, e estes são os piores, porque quase não dão para
ver.
– Como você tem consciência do que há no inconsciente deles?
– Introspecção alheia.
– Comunicação pelo córtex?
– Quase isso.
– Você está mudando de assunto.
– Você mudou muito desde a oitava série!
– Foi a partir daí que, para você, eu me transformei em
palhaço?
– Não. Só no início do primeiro ano foi que a mutação ocorreu
cem por cento.
– Do Ensino Médio?
– Do médio ensino.
– Tem alguma diferença crucial na ordem das palavras?
– Bastante!
– Chega de conversa: agora eu quero você!
– Você já me tem.
– Onde?
– Dentro dos sorrisos dos seus olhos. Sou prisioneiro deles.
– Está querendo dizer que me ama?
– Não se pode amar verdadeiramente um palhaço.
– Por que não?
– Porque vocês nunca são aquilo que aparentam ser.
– E o que é que eu aparento ser?
– O contrário de um palhaço.
– E o que seria esse avesso?
– A segurança do meu banheiro.
– Você é engraçado!
– Está me chamando de palhaço?
– Isso seria uma insulta ou ofensa?
– Aquilo que não tem graça não pode me insultar, menos ainda me
ofender.
– Oh! E se um palhaço entrasse em seu banheiro?
– Eu o mataria.
– Você não teria coragem...
– O medo nos dá coragem para tudo, inclusive para enfrentar o
peso da morte.
– E qual é o peso da morte?
– O mesmo que o dos seus dois calabouços fantasmagóricos.
– E é pesado?
– Só eu e o meu banheiro sabemos o seu verdadeiro peso.
– E se fosse eu a entrar em seu banheiro?
– Eu teria que fugir...
– E posso saber por quê?
– Porque não posso lhe matar.
– Como não? Eu sou um palhaço, lembra? O medo dá coragem para
tudo!
– Eu não tenho medo de você, só dos seus olhos, apenas, por
isso evito fitá-los.
– Mas, se não os fita, como poderá ver aquilo que eu sinto
por você?
– O que você sente não tem importância para mim.
– Contenta-se apenas com meu beijo de olhos fechados?
– O que eu sinto por você já faz de mim um homem contente.
– E meu beijo, não?
– Ele apenas me complementa.
– Então se aproxime mais um pouco... Encoste seus lábios aos
meus e eu lhe farei um homem completo.
– E o que lhe complementa?
– Este seu nervosismo, seu amor reprimido e a luz
esquizofrênica que sai de você e ilumina meus cárceres monstruosos.
Beijaram-se por uma eternidade e com volúpia. E para um
deles, a volúpia e a eternidade cheiravam a pasta de dente de hortelã, para o
outro, é claro, ambas cheiravam a Pinho Sol.
simplesmente amei, como sempre amo todos os outros *-*
ResponderExcluirAdo, a cada dia que passa você me surpreende mais com seus textos...
Cada vez mais se superando...
Parabéns meu amor
te amo ♥
saudades.
Déah C.
Obrigado, Déah C....
ResponderExcluirMuito obrigado pelo carinho.
Eu também te amo muito.
Saudade...
Muito bom DI!!!
ResponderExcluirObrigado, Lane.
ResponderExcluirÉ de uma profundidade gritante! Foi isso que senti.
ResponderExcluirRisos... Obrigado. É bom saber que despertei isso em você.
ExcluirObrigado pelo comentário.
Beijo.