Por muito
tempo pensei que a enxada pesava mais que a caneta, e enganava-me ao negar o
fato, fisicamente impossível, de que a caneta, por ser mais leve, pesa mais que
a enxada. Hoje não mais me engano. Mas sei que o peso que casamenteia a enxada
com a terra sustenta a relação extraconjugal entre o luxo e a caneta, embora o
coração daqueles que erguem a caneta não reconheça a cálida nobreza que brota
das mãos calejadas que seguram a enxada.
Entre os limites
que separam o Nordeste e Brasília há muito mais que linhas superficiais
traçadas e “pixelizadas” nos GPSs
e nos mapas: há canetas, enxadas, salas climatizadas no Planalto e o suor
escaldante que nasce dos trinta e oito graus Celsius do sertão e da chapada.
A caneta ceifa
florestas, capina sonhos e pavimenta a hierarquização. A enxada escreve
palavras, descreve veredictos e prescreve a sua própria condição. O suor pinta
o PIB, desenha estatísticas e colore a bandeira. A bandeira ornamenta o Senado,
a Câmara dos Deputados e a televisão brasileira. O retorno de Collor à política
mostra as cores dos mandachuvas. O Nordeste precisa de chuva. Brasília lava
roupas-sujas na CPI do Cachoeira.
Há uma linha
tênue, não localizada pela rosa dos ventos, que separa a concretude do voto do
ilusionismo da urna eletrônica. Há traços indeléveis, invisíveis à cartografia,
que apartam emblemas políticos de políticas públicas.
O povo
clama. Os clamores reclamam. Os mais otimistas se atiram no precipício da ilusão.
Escândalos políticos vêm à tona. Com o tempo, a mídia abafa. Denúncias de
corrupção dão lugar aos holofotes do Criança Esperança. Crianças esperam os afagos sinceros dos candidatos à eleição. Mais
uma criação do Bolsa-Sei-Lá-O-Quê ganha repercussão na pauta da ONU. Manchetes salientam:
país rico é país sem pobreza. Suposta epidemia de osteoporose, desconhecida até
o momento pela comunidade ortopédica, invade a Explanada dos Ministérios e
derruba ministros. Políticos prometem.
Conferências
não dão em nada. Promessas também não. Quantas mentirinhas serão contadas na
Comissão da Verdade? Finalmente o lema progressista está desordenado. A minha
pobre lógica pergunta: onde foi parar a ordem e o progresso além de no centro da
bandeira hasteada no Congresso? O Yahoo!
e o Google não a responde. O parlamento
também não.
Mas com a
mão sobre o peito esquerdo – a mesma que segura a caneta, assina vidas e
assassina papéis –, tudo fica bem no final, já que as lágrimas rolam ao entoarem,
todos juntos e em tom patriótico, o Hino Nacional. E depois do salve, salve, blá-blá-blá, (...) pátria amada, Brasil!, eles enxugam as
lágrimas, batem palmas – comemorando, talvez, mais uma vitória hereditária – e
tudo volta ao seu normal. Quanto às leis da física e da gravidade que regem a
política, resta-nos, como esquiva patológica e conformista, darmos risada: como
pode a caneta pesar mais que a enxada?